Confusões em comitivas não são novidade. Jânio, Castello Branco e Fidel estão na lista. Mas caso de sargento pode virar confusão
Anastas Mikoyan nunca tolerou falhas. Elas fazem a diferença entre os que mandam e a massa de manobra. Foi um dos primeiros a chegar a Cuba naquele 1959 iniciado com a chegada ao poder dos guerrilheiros de Sierra Maestra. Armênio, lutou no Exército Vermelho, foi aliado de Josef Salin e mais tarde o comandante da diplomacia soviética nos anos da guerra fria. Tinha confiança absoluta de Nikita Krushev, sucessor de Stalin. Num encontro regado a vodka, arenque, caviar russo, charutos e juras de eterno amor político, Mikoyan entregou a Fidel Castro uma caixa de madeira forrada de veludo.
O comandante abriu o presente e não escondeu a satisfação quando deu com a pistola automática parabellum, relíquia das relíquias bélicas. Um detalhe o emocionou: uma dedicatória gravada em ouro e na qual Mikoyan escreveu que oferecia a arma ao herói do povo cubano. Fidel carregou a pistola e guardou no coldre. Nunca mais se separaria dela. Até que meses depois chegou esbaforido numa recepção na embaixada do Brasil em Havana. Atrasado, ansioso e com dor de barriga, foi direto ao lavabo. Escondeu a arma com coldre e tudo em cima da caixa de descarga e voltou para a festa mais leve.
Naquela noite de março de 1960 ele conheceria Jânio Quadros, então candidato da oposição à presidência da República. Um ano e meio depois, já presidente, Jânio condecoraria Che Guevara com a Ordem do Cruzeiro do Sul. Os dois conversaram animadamente, beberam muito e Fidel foi o último a sair da festa.
Horas depois, já quase de manhã, volta para a embaixada. Entra, vai direto ao lavabo resgatar a arma de estimação esquecida na caixa de descarga. Mas ela sumira. Irado, manda acordar o embaixador Vasco Leitão de Cunha. Cobra providências, faz ameaças.
Vasco integrava da nata do Itamaraty. Nunca simpatizou com a esquerda e 4 anos depois seria ministro das Relações Exteriores do general Castello Branco. Tratou a impertinência de Fidel com aquele profissionalismo elegante, típico dos diplomatas que sabem tudo. Mandou acordar a criadagem. Que vasculhassem tudo. Nada. Nem parabélum, nem coldre.
Fidel foi embora sem a arma e com raiva. Horas depois enviou à embaixada o serviço secreto para pedir explicações e semear constrangimentos. Os agentes arrebataram a lista de convidados e a de empregados. Nada. Estavam à beira de um entrevero diplomático, quando a arma reapareceu, entregue por um cidadão que, no auge do porre de scotch servido à farta na festa, levou pra casa a arma do comandante por souvenir e delírio. Vasco Leitão da Cunha mandou entregar a pistola a Fidel embrulhada para presente.
Este caso foi contado em inúmeras versões, sempre recheadas de mistério. Há quem jure que a arma sumiu e nunca reapareceu. Uma comédia transformada em folclore e decifrada pelo repórter Vilas Boas Correa, para mim eternamente o seu Vilas pai do Marcos.
Nos últimos 60 anos foram várias as confusões envolvendo comitivas. Desde muambas de jogadores da seleção, madames indo às compras e até uma mala do filho do ditador da Guiné Equatorial recheada com US$ 16 milhões apreendida em Campinas pela Receita Federal.
Mas nunca ouvi falar de coisa tão séria e amarga como esta história do sargento da aeronáutica, integrante de uma elite da FAB, o Grupo de Transportes Especiais (GTE), flagrado com 39 quilos de cocaína em Sevilha, Espanha. Um traficante disfarçado de comissário de bordo da presidência. Zero folclore, zero lenda urbana. Deixaram 39 quilos de cocaína passar pela segurança da Base Aérea de Brasília. E se fosse explosivo plástico? Ou veneno?
O ministro Sergio Moro, recentemente recebido nos Estados Unidos pelas autoridades encarregadas de reprimir o crime organizado, sabe que este caso tem tudo para virar uma enorme confusão e que os tempos não estão para lendas e folclores. Pior: um presidente vítima de tentativa de assassinato na campanha jamais poderia padecer de uma segurança que falha no essencial. Intolerável diria Mikoyan.