Cabe à diplomacia profissional a tarefa de limpar o rastro de imundice do gabinete do ódio
A crise internacional sem precedentes e as situações extremas que vivemos na luta contra a pandemia do novo coronavírus jogaram luz sobre profissões até então pouco valorizadas e mesmo desconhecidas na nossa sociedade. Este é o caso dos diplomatas, funcionários públicos do Serviço Exterior Brasileiro, cuja contribuição é essencial ao desenvolvimento do país, seja em tempos de paz, seja em tempos de guerra.
Nas últimas semanas, provocações desrespeitosas feitas por integrantes do governo federal e dirigidas a autoridades estrangeiras chocaram o brasileiro boa-praça, que prefere a amizade ao conflito, e nos lembraram que cultivar boas relações com todas as nações, dos Estados Unidos à China, é sempre o melhor caminho. Além de termos interesses recíprocos, sabemos que, cedo ou tarde, podemos precisar de ajuda de quem menos esperamos. O que muitos ignoram é que são justamente os diplomatas que atuam discretamente na construção e na manutenção do relacionamento com outros países. Organizados em um corpo técnico experiente e especializado, esses servidores diuturnamente informam, negociam e representam os interesses do Brasil mundo afora. Em linguagem clara: cabe à diplomacia profissional a tarefa de limpar o rastro de imundice deixado pelo gabinete do ódio no trato amador de nossas relações internacionais.
Temos igualmente acompanhado o aumento da atividade consular, que é a assistência dada aos brasileiros no exterior. Desde o momento em que países restringiram a circulação de pessoas para conter o coronavírus, centenas de diplomatas deram início a esforços incansáveis de repatriação de nacionais impedidos de retornar ao Brasil. De acordo com informações oficiais, 13.250 cidadãos foram repatriados até 16 de abril. No entanto, nosso desafio continua: mais de cinco mil brasileiros em 80 países permanecem na expectativa de reencontrar suas famílias.
Durante os quase 13 anos em que sirvo como diplomata, inspirei-me em profissionais que sempre tiveram compromisso inabalável com o Brasil, não importava o presidente que estivesse no poder. Mesmo que discordasse das ideias, seus nomes sempre remetiam à ética, à correição e à inteligência. Assim como ocorre nas Forças Armadas, esses diplomatas reforçam a ideia de que ocupamos uma carreira de Estado, fundada no respeito aos interesses permanentes do Brasil, portanto imune ao voluntarismo e aos caprichos dos governos de plantão.
Ao longo de décadas, nomes como Azeredo da Silveira, Araújo Castro, Saraiva Guerreiro, Vinicius de Moraes, Guimarães Rosa, Oswaldo Aranha, San Tiago Dantas e Carlos Calero deram ao Itamaraty um sólido legado. Hoje, atravessamos momento de impensável desprestígio internacional e baixa moral entre os diplomatas – desde jovens secretários a experientes embaixadores. Antes um modelo a seguir, o Brasil agora é sinônimo de chacota em escala global. Enquanto o mundo vive a Indústria 4.0, chefias do Ministério das Relações Exteriores abraçam o obscurantismo, o terraplanismo, o negacionismo da ciência – inclusive da pandemia – e a perseguição àqueles que ousam pensar diferente.
Como todos os tempos sombrios da história, este também passará. Por esse motivo, ofereço mensagem de otimismo e esperança, bem como homenageio os colegas pelo Dia do Diplomata, celebrado em 20 de abril – referência ao nascimento do Barão do Rio Branco, patrono da diplomacia brasileira. Nossa carreira é magnífica e nós somos gigantes. Sigamos firmes em nosso propósito de fazer o melhor para os brasileiros e pelo Brasil. O ciclo de insegurança, fraqueza institucional e tropeços ficará para trás. Caberá a nós a tarefa de reconstruir o Itamaraty e recolocar os brasileiros e o Brasil no lugar de destaque que merecem no cenário internacional. Viva o Itamaraty, viva o Serviço Exterior Brasileiro!
Marcelo Calero é deputado federal (Cidadania-RJ) e diplomata de carreira