A tesourada que o Ministério da Economia deu no Orçamento de 2021 não encerra o impasse com o Congresso. Pelo contrário, deve criar novos focos de conflito. Ao cortar da peça orçamentária os R$ 29,8 bilhões necessários para reequilibrar os gastos do governo, Guedes mexeu num vespeiro.
Ao invés de tirar da previsão de gastos do governo apenas as despesas que haviam sido acrescentadas pelo relator, o senador Márcio Bittar (MDB-AC), a equipe do ministro Paulo Guedes mexeu em outras dotações orçamentárias que, até agora, não estavam em discussão.
Do total de cortes, apenas um terço eram de Bittar. O resto foi retirado de outras verbas, dos quais R$ 3,2 bilhões de reais em outros tipos de emendas parlamentares.
Desse total, R$ 1,8 bilhão ia atender às emendas de bancadas estaduais, definidas em conjunto por deputados e senadores. Os estados que mais sofreram reduções foram o Amazonas (R$ 216 milhões), Piauí (R$170 milhões) e Goiás (R$ 159 milhões), segundo levantamento do Instituto Nacional de Orçamento Público (Inop) a pedido da coluna.
Outro R$ 1,4 bilhão era destinado às emendas de comissão, que são escolhidas por 16 parlamentares encarregados de distribuir os gastos de acordo com a área de atuação de cada ministério, como as da educação, da segurança pública e da saúde. Entre o envio do Orçamento para o Congresso e a versão sancionada pelo presidente, os recursos para essas emendas simplesmente desapareceram.
Delas, um terço tinha sido reservado para despesas do Ministério de Desenvolvimento Regional, o mais afetado pela tesoura de Guedes e comandado por seu ri val Rogério Marinho. Outros cortes aconteceram no Ministério da Saúde (R$ 216 milhões), Educação (R$ 325 milhões) e o da Defesa (R$ 153 milhões).
Com esse movimento, o ministério da Economia, que estava em atrito sobre os cortes com os chamados ministros políticos do governo, com o presidente da Câmara, Arthur Lira, e com o relator Márcio Bittar, agora comprou briga com dezenas de parlamentares – todos envolvidos na elaboração dessas emendas.
“Parece que Guedes foi buscar novos adversários”, afirma Renato Melo, diretor do Inop. “O governo jogou no lixo 16 relatórios setoriais do Orçamento, feitos a partir de acordos no Legislativo. E cometeu o absurdo de cortar emendas que não eram objeto de insatisfação do Ministério da Economia. Assim, o ministro arrumou novos inimigos, que não tinham nada a ver com a manobra do relator e foram punidos mesmo assim”.
A justificativa do Ministério da Economia para o corte de emendas que seriam destinadas à Covid-19, por exemplo, é a de que elas serão substituídas por gastos do próprio governo, distribuídos ao longo do ano e sem as travas do teto de gastos porque, na semana passada, o governo conseguiu aprovar outro projeto de lei excepcionalizando as despesas com a pandemia das regras fiscais.
Melo diz, porém, que não são gastos equivalentes. As emendas seguem a lógica política, visam a atender aliados de deputados e senadores nos estados, enquanto os gastos do governo seguirão as regras e as prioridades do Ministério da Saúde.
Por isso, desde sexta-feira, vários parlamentares estão analisando se derrubam ou não parte dos cortes, feitos por meio de vetos do presidente Jair Bolsonaro. Conforme o tamanho e a agressividade da reação, a estratégia de Guedes pode estar arruinada.
Não apenas por causa dos 3,2 bilhões – parte até pequena perto dos 29,8 bilhões cortados do Orçamento –, mas porque o governo também precisa do apoio dos Congressistas para concluir a segunda parte da manobra programada pelo Ministério da Economia para consertar o “orçamento inexequível” que o governo recebeu do Congresso.
Na primeira parte, a dos vetos, o governo diz onde vai cortar despesas. Na segunda, que tem de ser feita por projeto de lei, o governo indica como vai remanejar as emendas. Esse projeto foi enviado ao Congresso na última quinta-feira, junto com os vetos, e tem de ser aprovado por maioria simples para passar a vigorar. Para isso, o governo vai precisar dos líderes partidários que viram suas verbas cortadas sem aviso ou negociação.
Essa etapa do “conserto” do Orçamento é crucial para o presidente da República. Sem o remanejamento de verbas, o presidente continuará sob o risco de vir a responder a um processo por crime de responsabilidade.
Isso porque o impasse começou quando Bittar, o relator, incluiu R$ 29 bilhões em emendas sob sua responsabilidade, que atendiam aos caciques partidários, mas para isso cortou despesas obrigatórias com a Previdência Social. Ao receber o texto, Bolsonaro tinha duas opções: ou vetava tudo, provocando o Congresso, ou mantinha como estava, correndo o risco de sofrer um processo de impeachment por crime de responsabilidade.
O risco de impeachment passou a ser o principal argumento de Paulo Guedes para convencer Bolsonaro a vetar o Orçamento. O movimento provocou uma batalha dentro do governo: de um lado, Guedes querendo cortar tudo. De outro, líderes do Congresso e os chamados “ministros políticos”, defendendo a manutenção das emendas.
Esses últimos diziam que as despesas foram incluídas no texto em razão de um acordo feito com o próprio Guedes, no início de março, mas o ministro da Economia argumentava que ele tinha concordado em acomodar emendas de R$ 16 bilhões e não os quase R$ 30 bilhões.
Com a sanção do Orçamento já recortado, ficou evidente que Paulo Guedes preferiu distribuir os danos em outras pastas, como a da Educação, e grupos políticos, como o baixo clero do Congresso. Dessa forma, ele pode até ter conseguido adiar o enfrentamento com os líderes partidários. Mas não conseguirá evitar uma batalha com o Congresso logo mais.