Ítalo Lo Re* Estadão
O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) discursou nesta quarta-feira, 16, na Cúpula do Clima (COP-27), em Sharm El-Sheik, no Egito. O pronunciamento foi feito na área da Organização das Nações (ONU) e durou quase 30 minutos. Entre outros pontos, ele afirmou que o “Brasil está de volta” ao debate climático global e falou no desafio de enfrentar o aquecimento global.
Para Eduardo Viola, professor da Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e da Universidade de São Paulo (USP), a posição anunciada pelo Brasil é inédita. “A mitigação da mudança climática, a transição energética e o controle do desmatamento são colocados como centrais na política pública brasileira e na política externa”, destaca. Leia os principais trechos da entrevista:
Qual foi o destaque principal do discurso do presidente eleito?
Hoje foi tornado público, diretamente pela voz dele, o compromisso que ele assumiu quando fez o acordo com Marina (Silva) e aceitou a plataforma socioambiental apresentada por ela no dia 12 de setembro. Isso levou Marina a apoiar Lula no primeiro turno e a engajar-se muito na campanha eleitoral. O discurso reafirma todo esse compromisso. Nunca o Brasil teve uma posição como a que está sendo anunciada neste momento. A mitigação da mudança climática, a transição energética e o controle do desmatamento são colocados como centrais na política pública brasileira e na política externa.
Sobre política externa, Lula indicou que quer colaborar com outras nações, mas cobrou investimento de países ricos. Como o senhor avalia?
Isso foi um destaque, mas não é necessariamente uma novidade. Lula deu ênfase aos países desenvolvidos darem assistência aos países em desenvolvimento mais pobres. Não se trata de assistência financeira para países como o Brasil, que são de renda média alta, mas para países de renda média baixa. Grande parte da África, da Ásia e alguns da América Latina se enquadram nisso. Não o Brasil e a China, por exemplo. O importante é que ele está chamando (atenção) para isso. Falou de cooperação técnica, de assistência tecnológica para a África Subsaariana, por exemplo. Vale lembrar que, em Copenhagen, em 2009, na COP-15, Lula falou que até o Brasil poderia contribuir para assistência aos países mais pobres. É uma posição muito diferente da política de Bolsonaro, que dizia ‘a gente protege a floresta e vocês nos pagam’, digamos assim. Não tem nada disso.
Muito importante também, paralelamente, é o desejo de eliminar todo o desmatamento até 2030 em todos os biomas brasileiros. Uma coisa seria falar em eliminar o desmatamento ilegal, ou mesmo eliminar o desmatamento na Amazônia, mas ele falou de todos os biomas brasileiros. É um compromisso forte. Ele propôs também uma cúpula amazônica para discutir a integração da Amazônia. O Tratado de Cooperação Amazônica não funciona, mas, com a liderança do Brasil, esse tratado pode se tornar mais efetivo para a integração da Amazônia. A oferta do Brasil para sediar a COP-30, que é em 2025, também é um destaque. O País nunca teve uma COP, só teve a própria conferência do Rio, em 1992, que é a fundação de tudo isso.
O discurso também foi marcado pela valorização de povos originários. Isso indica priorização desses grupos no governo Lula?
É um destaque que nunca houve antes na história do Brasil. O destaque, inclusive a fala de que vai criar um Ministério dos Povos Originários, é algo que não teve no primeiro governo Lula, não nesse nível de intensidade. É um nível de intensidade muito maior de reconhecer os direitos e as contribuições dos povos originários, que é uma tendência em todo o mundo.
O senhor citou o discurso de Lula na COP-15, em 2019. A fala de hoje remonta àquela época, de somar esforços para ajudar países mais pobres?
O que foi, eu diria, radical de Lula naquele momento é que, no discurso na COP, em 2009, ele falou que o Brasil contribuiria com a assistência financeira para países pobres. E ele não falou exatamente isso hoje. Mas falou da cooperação tecnológica com a África Subsaariana.
Então, ele não colocou o Brasil nem como país que recebe recursos nem como que investe, mas como o que conduz mudanças?
E nem vai colocar. Embora exista uma demanda para países de renda média alta, como China, Brasil ou México, para colocar algum dinheiro de assistência, de doação, países pobres. Não quer dizer que não pode ser feito, mas ele não falou estritamente hoje.
Os pontos abordados no discurso, de modo geral, são aderentes ao que tem sido discutido em outros países? As nações desenvolvidas estão abertas a fazer mais investimentos?
Não. Uma coisa é propor o que tem que ser feito, um componente normativo, a norma do que é correto. Outra coisa é a realidade. Nós estamos este ano, por causa da crise inflacionária e pela crise do preço ser da energia, além de uma tendência para recessão em países desenvolvidos, nós estamos em uma situação mais difícil que há um ano, na COP de Glasgow. Na realidade, a tendência é que não há avanços nem houve avanços efetivos em aumentar os recursos para o fundo verde global. Nesse sentido, é correto o que Lula falou, mas não quer dizer que isso vai acontecer no futuro próximo.
Como resumiria a análise sobre o discurso de Lula?
É um ponto de virada do Brasil. Ele não retoma à política ambiental climática no nível do primeiro governo. É um patamar mais alto do que no primeiro governo Lula. O primeiro governo Lula foi o mais consistente na política climática e ambiental. Depois, começou um retrocesso no governo Dilma, que continuou no governo Temer e se super aprofundou com Bolsonaro. Agora, a política climática ambiental tem uma posição muito mais central da que tinha até no primeiro governo Lula. É um outro patamar. Praticamente Brasil se iguala agora à vanguarda do mundo, à liderança do mundo, que é a União Europeia, em termos de política de climática. E se coloca, pelo menos no plano do discurso, pelo menos no mesmo nível da União Europeia. O destaque aos povos originários também parece ser maior do que se tinha no primeiro governo.
Texto publicado originalmente no Estadão.