Mourão tem servido de ‘closed caption’ quando Bolsonaro fala e a declaração cai mal, mas há o risco da armadilha da tradução
Mourão é o “closed caption” de Bolsonaro. Se o presidente fala e a declaração cai mal no mercado financeiro ou na política, o vice é acionado pela estrutura militar do Planalto para legendar o pensamento presidencial.
Na sexta-feira (1º), assessores palacianos se viram obrigados a teclar o botão CC para traduzir uma fala do presidente considerada desastrosa sobre a reforma da Previdência.
No dia anterior, durante entrevista realizada em ambiente de estufa, Bolsonaro admitiu que a idade mínima de aposentadoria das mulheres poderá ser revista.
Até então, o foco do Congresso estava nos “bodes na sala” —o BPC (Benefício de Prestação Continuada), que é pago a idosos pobres e a pessoas com deficiência, e a aposentadoria rural. Bolsonaro abriu, de graça, nova frente de batalha.
“O presidente foi mal interpretado”, socorreu o general Mourão. Acontece que mesmo os melhores aparelhos digitais apresentam certo “delay” entre a fala e a transcrição. No lapso entre a declaração e a correção, a bolsa especulou e a miúda base parlamentar desarrumou-se ainda mais.
Parte do poder presidencial vem de sua caneta. Mas componente tão importante quanto mandar e desmandar é a capacidade de persuasão, de transmitir uma visão de mundo que os destinatários (deputados e senadores) se sintam à vontade em compartilhar.
A questão previdenciária precisa de um presidente persuasivo. Bolsonaro terá que se fazer compreender pela sua própria voz. Não será com mais hashtags que o governo conseguirá a aprovação da reforma.
Como intérprete presidencial, Mourão pode até continuar dublando o bolsonarês para o português falado no mercado e na política. Mas há o risco de cair na armadilha da tradução. Todo tradutor é um pouco traidor ao inocular no texto sua própria visão de mundo. Por mais sensatas que sejam até agora as declarações do vice, uma dupla voz vinda do Planalto só cria mais ruído.