Paolo Sorrentino é um admirador controlado do desmedido Federico Fellini. Algo que já demonstrou com A grande beleza (2013), em que elogia A doce vida (1960). Federico Fellini e Paolo Sorrentino por meio de sentimentos, emoções e valores, voltam-se para as originalidades da cultura italiana, seu espírito e natureza. Fellini, a partir de um emiliano; Sorrentino, pelo viés do napolitano. E, assim, os exageros fellinianos inspiram a medida calculada que Paolo Sorrentino dá aos excessos que escolhe do n apolitano a fim de representar sua fanfarronice.
Federico Fellini e Paolo Sorrentino trabalham com memórias sempre divertidas que trazem de Rimini e Nápoles, lugares a partir dos quais desdobram para suas narrativas representações de hábitos e comportamentos que lhes possibilitem leitura da natureza do italiano, sempre arredia a consensos, escolhas, opções. Os dois diretores, para isso, lidam com personagens aparentemente vazias, que, no entanto, contam com vozes desassossegadas constantemente voltadas para valores de suas origens; assim, elas se colocam de maneiras teatrais e ostentam as especulações que fazem, mesmo distantes de um conhecimento seguro sobre as coisas do mundo, e no âmbito de citações de autoimagens dos dois diretores em cenas de seus filmes.
A personagem Maradona apareceu também em A juventude (2015), de Paolo Sorrentino, representado pelo ator Roly Serrano. Maradona, como na vida de então, fora de controle do seu corpo e mente. Aliás, uma vez considerado o cenário do filme – um hotel spa suíço, percebemos que todas as personagens se encontram com seus corpos e mentes sob o controle de fisioterapeutas e médicos do luxuoso local.
O maestro e compositor Fred Berlinger (Michael Caine) encontra-se em profunda crise existencial e ao lado de sua filha, Lena Berlinger (Rachel Weesz), também em crise, porque abandonada pelo marido. Mick Bayle (Harvey Kertel), diretor de cinema e amigo do maestro, vê-se deprimido e avaliando sua vida e obra como medíocres; Jimmy Tree, ator de cinema, certifica-se de que precisa mudar os papéis que representa no cinema. O tema musical do filme, cantado, no final, nada menos do que por Sumi Jo, traz exatamente o motivo central da narrativa: a perda do controle da medida pessoal para com a vida.
Paolo Sorrentino, com A mão de Deus (2021), voltou a divertir-se com memórias italianas, com as identidades pessoal e cultural do italiano, rir com os valores fundadores da cultura italiana; com as memórias do cinema italiano, felliniano, principalmente.
O término da história de A mão de Deus (2021) traz a decisão corajosa de Fábio (Fillipo Scotti) partindo de Nápoles para Roma a fim de estudar cinema, nos moldes como Moraldo (Franco Interlenghi), progatonista de Os boas-vidas(1953), alter ego de Federico Fellini, parte de Rimini para Roma, com o mesmo objetivo. Mais, nos dois filmes, os dois protagonistas que, solitariamente, deixam suas cidades, serão saudados nas estações de trem por dois meninos que abanam as mãos em sinal de despedida.
Paolo Sorrentino e, de modo mais fantasioso, Federico Fellini trabalham na linha divisória entre o neorrealismo e o cinema novo italiano, daí, promoverem, a partir de invenções biográficas, situações difusas próximas de paradigmas existenciais que transparecem como algo natural e mesclado com o imaginário, o biográfico e o cultural.
*Luiz Gonzaga Marchezan é mestre em Letras (1987), pela UNESP, Doutor em Letras (1994), pela FFLCH-USP, e Livre-docente em Teoria da Literatura (2019), pela UNESP-Ar., à qual se vincula como Professor Associado do Departamento de Linguística, Literatura e Letras Clássicas, do Curso de Graduação em Letras e do Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários. Seus principais interesses de pesquisa e suas publicações situam-se no domínio das relações intersemióticas manifestadas no texto literário, especialmente, no conto contemporâneo e na ficção regionalista nacional.
**Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de janeiro/2022 (39ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP).
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