Luiz Fux: Constituição para todos

Seguiremos tratando a questão prisional como política judiciária de Estado.
Foto: Marcos Corrêa/PR
Foto: Marcos Corrêa/PR

Seguiremos tratando a questão prisional como política judiciária de Estado

A trajetória democrática brasileira tem pés firmes na jurisprudência da Suprema Corte, que nas últimas três décadas vem contribuindo para o avanço do processo social à luz da Constituição Cidadã. Mas se por um lado temos julgados paradigmáticos que permitiram saltos civilizatórios notáveis, incluindo o fortalecimento de direitos e garantias e de proteção aos vulneráveis, é preciso manter vigília permanente contra ameaças e violações a princípios basilares de nossa Carta Magna, notadamente no campo dos direitos fundamentais e da dignidade humana.

Foi imbuído desse espírito que agiu o Supremo Tribunal Federal em 2015, ao reconhecer que quase 1 milhão de brasileiros vivem à margem da lei máxima do país enquanto dentro de nossas prisões, sob a tutela do Estado. É para a superação definitiva desse grave desarranjo institucional, com efeitos nefastos para o grau de desenvolvimento inclusivo ao qual nos comprometemos por meio da Agenda 2030 das Nações Unidas, que executamos no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) o programa Fazendo Justiça.

Trata-se de continuação da parceria de sucesso iniciada em 2019 com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, somada a importante apoio do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Em verdade, a natureza interinstitucional é um dos principais méritos da parceria —de forma inédita, mais de 3.500 atores estratégicos em diferentes níveis federativos estão mobilizados em torno de uma agenda nacional com planejamento e indicadores bem definidos, adaptável às realidades locais com foco em resultados de médio e longo prazo.

Nos próximos meses, o CNJ conduzirá 28 ações nacionais estruturantes para diferentes fases e necessidades do ciclo penal e do ciclo socioeducativo, facilitando serviços, produzindo e difundindo conhecimento e reforçando o arcabouço normativo. Lançaremos planos nacionais de geração de trabalho e renda, de incentivo à leitura e de incentivo ao esporte e ao lazer, fundamentais para dinâmicas de ressocialização. Até o segundo semestre de 2021 teremos um fluxo permanente de identificação civil por meio de biometria conectando todo o país, com emissão de documentos para facilitar o acesso a direitos durante e após o cárcere.

Pactuações em andamento com tribunais e outros atores locais resultarão na inauguração de ao menos 13 Serviços de Atendimento à Pessoa Custodiada, 10 Núcleos de Justiça Restaurativa, 3 Centrais de Alternativas Penais e 12 Escritórios Sociais, serviço de atenção a pessoas egressas e familiares fomentado pelo CNJ que garantiu 20 unidades em 14 estados apenas no último ano.

No campo da tecnologia da informação, o Sistema Eletrônico de Execução Unificado (Seeu) já centraliza de forma inédita a gestão da execução penal, integrando atores, agilizando procedimentos e produzindo dados nacionais em tempo real. Também passa por revolução o monitoramento e fiscalização das execuções de medidas socioeducativas, que aliada a outras ações estruturantes, fortalecerá a atuação do Judiciário sob o princípio da proteção integral de adolescentes preconizado por nossa Constituição e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Em ambos os sistemas, segue como prioridade o enfrentamento à Covid-19 pelo direito à saúde coletiva e pelo direito à vida.

Tantas ações em andamento durante uma pandemia global, com resultados já visíveis —registramos a menor taxa de prisão provisória dos últimos 17 anos—, só se tornaram possíveis com um ambiente de diálogo permanente entre poderes públicos, setor privado e sociedade civil para a construção de soluções colaborativas.

No Judiciário, o empenho de diferentes gestões para desmantelar o cenário narrado pelo STF em 2015 reforça o compromisso para oferecer respostas robustas a um desarranjo que se alimenta da inércia. Seguiremos tratando a questão prisional como política judiciária de Estado para que nossa Constituição permaneça como a certeza primeira de todos os brasileiros.

*Luiz Fux é presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça

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