Os crescentes indicadores de desemprego não podem ser vistos como normais
A pandemia agravou um problema já estrutural na economia brasileira: a falta de emprego. No final do ano passado, a sociedade somava 11,6 milhões de desocupados. Agora, a taxa subiu para 13,3%, atingindo 12,8 milhões de pessoas, segundo dados da Pnad Contínua, divulgada pelo IBGE no mês passado. O País tem ainda um contingente de mais de 32 milhões de trabalhadores informais ou autônomos, que atuam sem carteira assinada e por conta própria, em condições quase sempre precárias. A crise no mundo do trabalho atinge duramente os mais jovens, com a perda de milhares de vagas para aprendizes e estagiários.
Sem perspectiva de criação de vagas na economia, o consumo recua, as empresas postergam investimentos e a arrecadação cai, fazendo o País andar para trás. O quadro social se deteriora, a desigualdade aumenta. É urgente, portanto, inserir o tema do emprego no debate econômico, sob pena de sacrificarmos de modo irreversível carreiras promissoras e a vida de pessoas.
Historicamente, o mercado de trabalho sempre foi palco de grandes desafios. Transformações provocadas pelos ciclos econômicos e pelas inovações tecnológicas fazem o nível de emprego oscilar. Foi assim, por exemplo, na transição da primeira Revolução Industrial (1760-1850), que contemplou a mudança do processo de produção artesanal para manufatura em larga escala, para a segunda (1850-1950), com o desenvolvimento da energia elétrica, das indústrias do aço e do petróleo.
Hoje, as relações de trabalho também passam por um profunda reestruturação, mas em velocidade nunca vista. Ciclos que levavam até 100 anos para se completar, agora se dão em dez ou menos. A globalização emoldura essa cena. Os mercados nacionais operam no compasso da demanda mundial por produtos e serviços, adaptando-se aos sucessivos ganhos de eficiência proporcionados pela tecnologia.
Integrado à economia mundial, competindo em todas as cadeias globais de comércio e finanças, o Brasil reflete esse fenômeno. Não podemos nos deixar enganar. Em nosso País, a situação é premente. O reaquecimento do mercado de trabalho depende de medidas capazes de absorver grandes contingentes e reintegrar milhões de pessoas, rapidamente, por meio da geração de empregos diretos.
Essa reconstrução será mais demorada do que foi a deterioração do mercado de trabalho, o que só reforça a necessidade de iniciá-la o quanto antes.
A responsabilidade pela geração de empregos é do estabelecimento de um projeto econômico. Não serão encontradas soluções por meio de voluntarismos ou por ação exclusiva do setor empresarial. Só a partir de uma formulação macroeconômica o setor privado encontrará condições para tomar as decisões mais adequadas em cada um dos seus segmentos.
É como ocorre hoje na maioria dos países industrializados. O emprego é fundamental para a recuperação econômica. O exemplo mais recente se deu no final de agosto, nos Estados Unidos, com a divulgação da nova política monetária do Federal Reserve, francamente voltada para reativar a economia e sua capacidade de abrir vagas de trabalho.
Os crescentes indicadores de desemprego não podem ser vistos como normais. Conhecemos vetores tradicionais, como a construção civil e infraestrutura, que já se mostraram capazes de reverter quadros dramáticos. Incentivos a esses setores, nos limites do teto de gastos, não entram em contradição com a necessidade do ajuste fiscal. O desafio do emprego será tanto melhor enfrentado se houver a aguardada confirmação de um programa de privatizações e concessões. Um ritmo mais constante para as reformas tributária e administrativa igualmente se completa como mensagem positiva aos investidores.
Uma estratégia econômica que inclua a questão do mercado de trabalho na agenda de prioridades – e ganhe espaço no discurso dos agentes públicos – tem tudo para melhorar as expectativas sobre o desenvolvimento econômico e social do Brasil.
- PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DO BRADESCO. ESCREVE A CADA DUAS SEMANAS