No Brasil, vamos precisar iniciar um debate sobre a questão de novos estímulos para enfrentar 2021
Na coluna de abril desenhei para o leitor do Valor uma linha do tempo do meu cenário para a recuperação da economia brasileira até 2021. Aproveito para substituir o termo “otimista”, que utilizei então, pelo de “construtivo” para evitar os comentários de estar sendo uma espécie de Polyana sobre o nosso futuro. Tomo emprestado do ministro do STF, Luiz Roberto Barroso, que também sofria com a mesma qualificação de excesso de otimismo em relação à democracia no Brasil, como confessou em recente entrevista ao canal CNN.
Neste período, entre as minhas duas colunas, foi possível aprofundar o entendimento sobre dois temas: a duração esperada da quarentena social e a natureza da recessão econômica que vai se seguir. Tenho aproveitado o lockdown radical em meu apartamento para acompanhar as informações disponíveis sobre estas duas questões. A partir delas, e de manifestações de pessoas envolvidas na linha de frente do combate à crise, foi possível reduzir um pouco da falta de visibilidade sobre a intensidade da crise que vamos enfrentar.
A primeira informação relevante vem das várias curvas disponíveis que mostram a evolução do número de pessoas infectadas – e também mortas – pela covid-19 nos cem dias que já se seguiram ao início da pandemia. Neste conjunto de curvas fica claro que nas próximas semanas a maioria dos países poderá iniciar um processo de volta ao trabalho e à maioria das atividades de empresas e cidadãos.
A partir desta hipótese podemos começar a entender a natureza da recessão que vamos viver no restante do ano. Um dos textos, que de maneira simples joga alguma luz sobre o que vamos enfrentar, é o “Economics in the Time of covid-19” editado por Richard Baldwin para a CEPR Press” e do qual retirei as observações abaixo:
“O consenso entre os autores deste eBook – e de fato entre os principais economistas que estão escrevendo sobre isso – é bastante simples. Está no título do nosso e-livro: “Aja rápido e faça o que for preciso”.
Os governos devem implantar políticas que ‘aplanem” a curva da recessão, evitando danos duradouros às nossas economias. Os governos devem fazer o que for necessário para “manter as luzes acesas” até que a recessão termine”.
Este conselho é baseado em dois pontos simples: o choque médico é transitório, mas o dano econômico pode ser persistente e de longo prazo. Sem medidas preventivas, os empregos podem não existir quando a recessão passar, e muitas empresas terão seus balanços societários bastante fragilizados.
Portanto a chave é reduzir o número de falências – pessoais e corporativas – nos setores mais atingidos pela quarentena, e garantir que as pessoas tenham dinheiro para continuar gastando, mesmo que não estejam trabalhando. A única forma possível de se realizar este objetivo será via ações fiscais e monetárias por parte dos governos como um Programa de Renda Mínima para os mais pobres e linhas de crédito para as empresas mais atingidas pela queda da demanda.
Mas mesmo que se consiga limitar os danos ao tecido econômico quando terminarem as restrições de locomoção ainda teremos uma recessão tão profunda que a retomada será frágil demais para recolocá-las naturalmente em novo ciclo de crescimento.
Neste sentido trago para minhas reflexões de hoje as palavras de Jay Powell, presidente do Federal Reserve, que em uma “live” nos EUA disse que “medidas políticas adicionais” podem ser necessárias pelo Banco Central e pelas autoridades fiscais dos EUA para evitar maiores danos a longo prazo à economia devido à pandemia. Segundo ele o Fed tem uma pesquisa mostrando que quase 40% dos americanos, em famílias que ganham menos de US$ 40 mil por ano, perderam o emprego em março.
Ele está falando, portanto, da necessidade de um segundo pacote de estímulo às economias quando houver um controle estável sobre a evolução da covid 19. Os dados econômicos já divulgados mostram de maneira clara a intensidade da recessão e sua extensão simultânea no mundo desenvolvido e emergente. Trago ao leitor alguns deles que me chamaram a atenção e que mostram a natureza da recessão que vamos viver nos próximos meses.
1- A queda da produção industrial, 9,5% no Brasil, 9,7% no Reino Unido e 12,9% na Europa Unida;
2- Desemprego de 22 milhões nos Estados Unidos sendo que 90% destes desempregados por tempo limitado e, portanto, voltando ao trabalho a qualquer momento;
3- As vendas ao varejo nos Estados Unidos caíram incríveis 21,6 % em abril;
4- A Câmara de Deputados dos Estados Unidos já está discutindo um segundo pacote de cerca de US$ 1 trilhão para ser implantado com o objetivo de reforçar a recuperação econômica que virá;
Os números recentes da economia chinesa reforçam as minhas expectativas em relação à recuperação das economias de mercado se este for o caminho seguido. Eles mostram uma volta rápida da atividade, com uma perda pequena na velocidade de seu crescimento econômico. Aliás o que está previsto pelo FMI que projeta um crescimento positivo do PIB ainda em 2020 e um salto maior no próximo ano.
Mesmo no Brasil, com todas as dificuldades de lidar ainda com a fase de estabilização da pandemia, vamos precisar iniciar um debate sobre a questão de novos estímulos para enfrentar 2021.
*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.