“Os eleitores querem segurança, saúde, educação, emprego e moradia. Não se resolve esses problemas com uma retórica vazia”
Antes de mais nada, o eleitor brasileiro está cada vez mais consciente da importância de seu voto e do poder que isso lhe atribui para mudar a realidade política do país. Foi um longo aprendizado, que passou de geração em geração. Em 1974, por exemplo, o tsunami acabou com a maioria absoluta que o governo militar tinha no Senado. Em 1978, impôs a necessidade de abertura política, que resultou na anistia. Em 1982, se não foi suficiente para restabelecer as eleições diretas para presidente da República, em 1985, viabilizou a eleição de Tancredo Neves. O caminho para a conquista da democracia foi o voto popular, sem embargo dos protestos, greves e articulações políticas. Não foi a luta armada, uma trágica tolice política, por mais glamorizada que seja por alguns.
Há uma astúcia popular no voto sufragado que precisa ser levada em conta. Desde 1989, o povo vem fazendo escolhas nas eleições que fazem algum sentido. Foi assim, com Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. Quando viu o desejo manifesto nas urnas frustrado, foi às ruas apoiar o impeachment do presidente da República. Foi o que aconteceu com Collor de Mello e Dilma Rousseff. Golpe? Golpe coisa nenhuma. Ambos foram apeados do poder com base na Constituição de 1988, que estabelece as regras do jogo, e por erros graves na condução do país.
Ninguém leva o eleitor para votar puxando-o pelo nariz. O povo tem seus motivos para fazer escolhas. Nessas eleições, consideradas atípicas, há um claro sentido de ruptura, por causa do desgaste do sistema político, da violência no cotidiano, da corrupção desnudada dada pela Operação Lava-Jato, do desemprego em massa e da falta de perspectivas. Isso está mais do que evidente. Apesar de ter feito uma contrarreforma política para blindá-la, a elite política caiu do galho. Uma geração está sendo aposentada pelas urnas, outra foi expurgada pela Lei da Ficha Limpa.
Isso não significa que a renovação política está concretizada, mas essa foi a sinalização do eleitor. Uma das dificuldades para entender o sentido dessa disruptiva no processo político é narrativa dos candidatos, que tem um caráter regressivo. A discussão eleitoral parece uma “vendeta”, que remonta à crise política de 1964. Lá se vão 54 anos! A maioria dos eleitores nem havia nascido. A radicalização direita versus esquerda protagonizada por Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) é um grande “dejà vu”, não passa disso.
Por que isso acontece? Talvez porque as forças conservadoras que apoiaram o regime militar durante 20 anos, nos últimos 30 anos ficaram sem representação política à altura de um novo projeto de poder. Seu último grande representante foi o senador Jarbas Passarinho (PDS-PA), que foi ministro da Justiça de Collor de Mello e presidiu a CPI do Orçamento, perdendo a seguir a reeleição ao Senado, em 1994. Talvez porque as forças que governaram o país durante os governos Lula e Dilma, após o impeachment da presidente Dilma Rousseff, fizeram de tudo para se perpetuar no poder e não querem ficar muito tempo fora dele, o que será provável se perderem.
Contingências
A nossa realidade parece um copo d’água pela metade. O Brasil tem a maior democracia de massas do mundo, com eleições livres, diretas e secretas, à prova de fraude e apuradas no mesmo dia. Mas ambos os candidatos já constroem teorias conspiratórias para não aceitar seu resultado. Entretanto, o que surgir das urnas é o veredicto popular, “duela a quien le duela”.
As forças moderadas e centristas do país, que sempre se movimentaram pendularmente, viraram marisco nas eleições, mas não foram riscadas do mapa. Continuam influentes nas estruturas de poder, nas instituições republicanas, na grande mídia e na chamada sociedade civil. Podem até influenciar o resultado da eleição e surpreender! A disputa eleitoral parece uma guerra de movimentos; devido à radicalização, uma guerra de posições se iniciará após as eleições. Entretanto, a dicotomia fascismo ou comunismo que deu o tom nesta reta final não faz o menor sentido. Se fosse verdadeira, nos levaria a uma guerra civil.
Os vitoriosos também logo descobrirão que tropas de assalto não são eficientes para ocupação.É preciso ir devagar com o andor. Na verdade, as contingências são outras. A primeira é o equilíbrio entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. A segunda, a relação entre os entes federados: União, estados e municípios. A terceira, a relação entre Estado e sociedade, que passa também pela economia. Quem vencer as eleições assumirá um governo que gasta mais do que arrecada, não tem capacidade de investimento e presta péssimos serviços à população. Os eleitores querem segurança, saúde, educação, emprego e moradia. Não se resolve esses problemas sem reforma fiscal e com uma retórica vazia. Trocando em miúdos, como em toda democracia, quem ganhar deve levar. Mas terá que trabalhar muito para não frustrar seus eleitores. Não fará o que quer, quando e como quiser; será escravo das suas próprias circunstâncias.