Luiz Carlos Azedo: A rosa e a náusea

Lula está inelegível, todas as tentativas de desmoralizar o juiz federal Sérgio Moro fracassaram. Esse é um sinal de que nenhum político enrolado na Operação Lava-Jato estará acima das leis.
Foto: Felipe Sampaio /STF
Foto: Felipe Sampaio /STF

Lula está inelegível, todas as tentativas de desmoralizar o juiz federal Sérgio Moro fracassaram. Esse é um sinal de que nenhum político enrolado na Operação Lava-Jato estará acima das leis

“Um inseto cava / Cava sem alarme / Perfurando a terra / Sem achar escape / Que fazer, exausto / Em país bloqueado / Enlace de noite / Raiz e minério? / Eis que o labirinto / (oh razão, mistério) / Presto se desata: / Em verde, sozinha / Antieuclidiana / uma orquídea forma-se.” Esse poema de Carlos Drummond de Andrade se chama Áporo, faz parte da coletânea de poemas A Rosa do Povo, publicada em 1945. São poesias marcadas pela II Guerra Mundial e o Estado Novo, mas que transcendem àquele momento e ao lirismo social da época.

Na Rosa do Povo, o indivíduo aparece fragmentado, perturbado por seus dilemas pessoais, mas engajado nas questões sociais. Drummond também brinca com as palavras, pois áporo, que denomina um inseto, também é usado na filosofia e na matemática como um problema sem solução, uma espécie de beco sem saída. É uma espécie de continuação de outro poema, intitulado a Flor e a náusea: “Não, o tempo não chegou de completa justiça / O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera / O tempo pobre, o poeta pobre / Fundem-se no mesmo impasse / Em vão me tento explicar, os muros são surdos / Sob a pele das palavras há cifras e códigos / O sol consola os doentes e não os renova / As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase / Uma flor nasceu na rua!”

O voto da ministra Rosa Weber no julgamento do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi como a flor que nasceu no asfalto. Todas as pressões políticas sobre o Supremo Tribunal Federal, desde a Páscoa, convergiram para ela, cuja posição parece uma esquizofrenia jurídica para o cidadão comum. A ministra é a favor do princípio de que a prisão deve obedecer ao chamado “transitado em julgado” nas quatro instâncias do Judiciário, porém, como existe uma jurisprudência determinando a execução imediata da pena após a condenação em segunda instância, desde 2016 (quando se firmou esse entendimento na Corte), tem rejeitado todos os habeas corpus nesses casos, fiel ao decidido pela maioria dos seus colegas. Assim, recusou o habeas corpus de Lula. Não aceitou a tese de que a decisão era de repercussão geral, ou seja, que discutia-se o princípio e não o caso específico, tese também rechaçada em plenário pela presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia.

Foi um banho de água fria nos ministros liderados por Gilmar Mendes (que mudou seu posicionamento anterior), que esperavam a formação de uma nova maioria, contra a prisão de Lula, condenado a 12 anos e 1 mês de prisão pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), com execução imediata da pena. Rosa Weber rechaçou a tese da defesa de que o Superior Tribunal de Justiça havia errado ao indeferir o pedido. Seguiu os votos dos ministros Edson Fachin, o relator, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e foi acompanhada por Luiz Lux, todos favoráveis à rejeição do habeas corpus. Gilmar Mendes havia proposto uma solução “intermediária”: a execução da pena se desse após condenação em terceira instância, ou seja, pelo STJ.

Lava-Jato
O ministro Dias Toffoli insistiu na tese de que a decisão deveria ter repercussão geral, mas já era voto vencido no julgamento; de igual maneira, Ricardo Lewandowski. Faltavam ainda votar os ministros Marco Aurélio e Celso de Mello, o decano da corte, ambos favoráveis ao habeas corpus. Havia hipótese de um pedido de vista, que interromperia novamente o julgamento, como tentavam articular os advogados de defesa, entre eles o ex-presidente da própria Corte Sepúlveda Pertence, o que não se concretizou. Ambos votaram a favor do habeas corpus. A tese de Toffoli era a mesma de Gilmar Mendes. Trocando em miúdos, a decisão da maioria do tribunal estava dependendo apenas do voto da ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo, que a defesa tentou embargar, sem sucesso. Cármen votou contra. Agora, a prisão de Lula é apenas uma questão de tempo. Sua defesa deve apresentar um novo recurso ao TRF-4. Somente após a rejeição desse recurso, o juiz federal Sérgio Moro, que condenou Lula na primeira instância da Justiça Federal, comunicada a decisão, poderá mandar a Polícia Federal prender o ex-presidente.

Lula está inelegível, todas as tentativas de desmoralizar o juiz federal Sérgio Moro fracassaram. Esse é um sinal de que nenhum político enrolado na Operação Lava-Jato estará acima das leis. “Façam completo silêncio, paralisem os negócios / Garanto que uma flor nasceu / Sua cor não se percebe / Suas pétalas não se abrem / Seu nome não está nos livros / É feia. Mas é realmente uma flor / Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde / E lentamente passo a mão nessa forma insegura / Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se / Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico / É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio”.

Nas entrelinhas: A rosa e a náusea

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