A volta do PT às ruas, com suas velhas bandeiras vermelhas, acaba por transformar em satélites outros setores de oposição, como o PSOL
Os petistas comemoram a saída da cadeia do ex-ministro José Dirceu, que aguardará seu julgamento em prisão domiciliar, com tornozeleira eletrônica. Com razão, pois o petista é o líder político mais importante da legenda depois dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. De longe, é o que melhor conhece os quadros da legenda e a psicologia dos militantes petistas. Está proibido de agir em relação à Lava-Jato, mas não pode ser impedido de pensar a política, nem orientar politicamente seus aliados. Isso ele sabe fazer nas mais diversas circunstâncias, porque acumulou essa experiência na clandestinidade e no exílio.
No auge da crise do mensalão, quando já havia sido defenestrado da Casa Civil e às vésperas de ter o mandato de deputado federal cassado pela Câmara, Dirceu parecia enxergar na escuridão ao apostar na reeleição de um Lula que andava acabrunhado e deprimido, enquanto a oposição acreditava que o então presidente da República sangraria até definhar eleitoralmente. Sua confiança estava depositada na resistência dos militantes petistas. Ao contrário de outros parlamentares que deixaram a legenda e fundaram o PSOL, Dirceu não queria saber de autocrítica, mas de um discurso que possibilitasse à legenda sair da defensiva e partir para cima dos adversários nas eleições de 2006. Foi o que aconteceu.
A liderança de Dirceu no PT não deve ser subestimada, seja porque foi o artífice da ascensão política de muitos quadros petistas, seja porque seu comportamento durante a prisão contrasta com o de outros envolvidos na Operação Lava-Jato que recorreram à delação premiada. Caso se confirmem as delações do ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque, o que parece acontecer, (haja vista a operação de ontem da Polícia Federal, que prendeu três ex-gerentes da estatal) e do ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci, a estrela de Dirceu pode voltar a brilhar na constelação de dirigentes petistas, muitos dos quais também são investigados na Lava-Jato e dependem do silêncio de Dirceu. Quem quiser que pague pra ver.
A última pesquisa Datafolha mostra que o PT está saindo do fundo do poço e volta ao patamar de 15% de preferência do eleitorado, seu melhor desempenho desde setembro de 2014. É um voo de fênix diante da acachapante derrota eleitoral de 2016, que deixou o partido na lona nas eleições municipais. Analistas destacam que a preferência pelo PT aumentou de 9% para 14% no Sudeste, de 5% para 10% no Sul, de 14% para 22% no Nordeste, de 7% para 13% no Centro-Oeste e de 6% para 15% no Norte. Cresceu entre os mais pobres (de 11% para 19%) e entre os de renda alta (de 5% para 10%); entre quem fez o fundamental (de 10% para 18%) e fez faculdade (de 7% para 10%). Como explicar esse fenômeno?
Em primeiro lugar, a imagem do PT historicamente sempre esteve associada ao desempenho eleitoral do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Acuado pela Operação Lava-Jato, ameaçado de ser preso por causa das delações premiadas da Odebrecht e da OAS, o petista reagiu politizando as acusações, numa queda de braço com o juiz federal Sérgio Moro. E decidiu andar pelo país, em busca de seus eleitores mais empedernidos, aquela parcela da população diretamente beneficiada pelo programa Bolsa Família.
Biombos
Há que se considerar, em segundo lugar, o fato de que, passado o atordoamento do impeachment de Dilma Rousseff, a legenda voltou a intensificar sua atuação nos movimentos sociais, principalmente nos sindicatos. Finalmente, em terceiro, a narrativa do golpe — o biombo para evitar o isolamento e fugir à autocrítica —, que era uma estratégia defensiva, foi robustecida pelas palavras de ordem contra as reformas trabalhista e da Previdência, que unificam a oposição ao governo Temer e embaralham as cartas na opinião pública, além de causar fissuras na base do governo.
É a volta do PT às ruas, com suas velhas bandeiras vermelhas, que acaba por transformar em satélites outros setores de oposição, como o PSOL, que estava até crescendo com a Lava-Jato. Além disso, os grandes partidos governistas foram lançados à vala comum da Operação Lava-Jato, o que está possibilitando uma espécie de acordo tácito entre todos esses protagonistas, não em relação às reformas, mas contra a Operação Lava-Jato e a favor da reforma política.
Não é à toa que o relator da reforma política é um petista, o deputado Vicente Cândito (SP), um dos mais hábeis articuladores da Câmara, que costura um acordão entre as grandes legendas para canibalizar os pequenos partidos. Ironicamente, os partidos ameaçados de perderem o tempo de televisão e os recursos do fundo partidário não são os mais envolvidos na Operação Lava-Jato. A reforma política está sendo feita para salvar os grandes partidos e seus quadros principais, permitindo até que eles escondam suas legendas em frentes partidárias, como a que já está sendo organizada pelo PT.
*Luiz Carlos Azedo é jornalista
Fonte: http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-resiliencia-petista/