O falecido senador Ernâni do Amaral Peixoto, um dos caciques do antigo PSD, dizia que todo governante precisa de um bom chefe de polícia. Trazia na bagagem a experiência de interventor do Estado Novo no antigo Estado do Rio de Janeiro, do qual foi governador eleito de 1951-1954. Herdeiro da tradição dos “saquaremas” (políticos conservadores do Império), Amaral era também discípulo do “americanismo” de Oswaldo Aranha, ex-ministro da Justiça e chanceler brasileiro que abriu a primeira Assembleia Geral da ONU, seu grande aliado nas articulações para convencer Getúlio Vargas, seu sogro, a engajar o Brasil na guerra contra o Eixo (Alemanha, Itália e Japão).
Quem quiser detalhes sobre a tese do “comandante” (oficial de Marinha, Amaral Peixoto reformou-se com a patente de almirante) sobre os chefes de polícia, ele próprio explica direitinho no livro Artes da política – diálogos com Amaral Peixoto, de Aspásia Camargo, Dora Rocha e Lucia Hippolito. Aparentemente, a receita do velho cacique pessedista foi adotada pelo presidente Michel Temer, que ontem trocou o comando da Polícia Federal.
Temer desprezou a lista tríplice que havia sido apresentada pelo ministro da Justiça, Torquato Jardim, e escolheu para lugar de Leandro Daiello o jovem delegado Fernando Segóvia, como havíamos antecipado no domingo. O novo diretor da PF é considerado o mais político delegado de sua geração e deve promover uma grande renovação na cúpula da corporação. Seu nome foi articulado pelo ministro Eliseu Padilha, da Casa Civil, supostamente com o apoio do ex-presidente José Sarney, em razão de sua passagem pela superintendência da PF no Maranhão. É ligadíssimo ao ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Augusto Nardes.
A mudança já era esperada pela corporação, porque começou a ser articulada logo após a votação da segunda denúncia contra Temer. Segóvia tem a seu favor o apoio da Federação Nacional dos Policiais Federais, que emitiu uma nota elogiando a substituição. A preferência do ministro da Justiça, Torquato Jardim, era pelo delegado Rogério Galloro, que seria o substituto natural de Daiello, por ser o número dois da hierarquia.
Segóvia estaria para Temer como o falecido delegado Romeu Tuma estava para o presidente Sarney no comando da Polícia Federal, com a diferença de que não passou pelos órgãos de segurança do antigo regime militar, embora seja também um especialista em inteligência. Formado em direito pela Universidade de Brasília (UnB), está há 22 anos na PF, foi adido policial na África do Sul. Em boa parte de sua carreira, exerceu funções de inteligência nas fronteiras do Brasil. Leandro Daiello estava no cargo desde 2011, nomeado na gestão do então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e já havia manifestado interesse em deixar o cargo.
A nomeação de Segóvia enfraquece o ministro Torquato Jardim, que tem um contencioso com os políticos do PMDB do Rio de Janeiro. É um passo atrás no sentido de preservar a autonomia da Polícia Federal; por outro lado, pode reduzir o conflito existente entre a instituição e o Ministério Público Federal, em torno de temas como o oferecimento de denúncias e a negociação de delações premiadas. Também pode representar mais uma inflexão nas investigações da Operação Lava-jato, desejo de muitos caciques do PMDB e dos ministros do Planalto que estão enrolados por causa das delações premiadas de Marcelo Odebrecht e Joesley Batista.
Pela Constituição, a Polícia Federal exerce atribuições de polícia judiciária e administrativa da União, “a fim de contribuir na manutenção da lei e da ordem, preservando o estado democrático de direito”. Não pode sofrer interferência do presidente da República.
Zelotes
O Ministério Público Federal no Distrito Federal apresentou denúncia ontem contra o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega por fatos apurados na Operação Zelotes. Também foram denunciados o ex-presidente do Carf Otacílio Cartaxo e outras 12 pessoas. Segundo o MPF, os 13 responderão por corrupção, advocacia administrativa tributária e lavagem de dinheiro. A Operação Zelotes investiga pagamentos de propina a conselheiros do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e outros servidores públicos para que multas aplicadas a empresas — entre bancos, montadoras, empreiteiras — fossem reduzidas ou anuladas.