“Há provas suficientes de que o crime foi meticulosamente planejado e executado por profissionais. Não foi por outra razão que o ex-secretário de Segurança Richard Nunes responsabilizou as milícias”
A Polícia Federal realizou ontem, no Rio de Janeiro, uma operação para cumprir oito mandados de busca e apreensão relacionados às investigações do caso Marielle Franco, a vereadora do PSol assassinada numa emboscada, com o seu motorista, Anderson Gomes. O alvo das operações foram os policiais envolvidos nas investigações do caso que, até hoje, não foi elucidado, embora o então secretário de Segurança Pública, general Richard Nunes, tenha, à época, anunciado que as apurações haviam chegado muito perto dos envolvidos. As medidas foram autorizadas pela Justiça Estadual após serem submetidas ao Ministério Público do Rio de Janeiro, mas estão sendo determinadas pelo procuradora-geral da República, Raquel Dodge.
A origem da investigação é um longo depoimento do miliciano Orlando de Curicica a dois procuradores federais, no Presídio Federal de Mossoró, no qual contou que o responsável pela Divisão de Homicídios, Giniton Lages, esteve no presídio de Bangu para ouvi-lo e queria que confessasse que matou Marielle a mando do vereador carioca Marcelo Siciliano, do PHS. Ambos foram acusados por um policial militar considerado a peça-chave da investigação feita pela Delegacia de Homicídios do Rio de Janeiro. No longo depoimento, Orlando acusa a testemunha de ser um miliciano que se desentendeu com ele, disse ter respondido ao delegado Giniton Lages que não tinha envolvimento com o caso e que o delegado teria pedido então para ele acusar o vereador Marcelo Siciliano. “Fala que o cara te procurou, pediu para você matar ela, você não quis, e o cara arrumou outra pessoa. Mas que o cara que pediu para matar ela”, teria dito o delegado. Orlando também descreveu como atuam as milícias no Rio de Janeiro.
No jargão das investigações criminais, não existe crime de mando sem um “bode”. Isto é, alguém que possa ser incriminado por um crime porque teria algum tipo de desavença ou disputa com a vítima. No caso Marielle, há provas suficientes de que o crime foi meticulosamente planejado e executado por profissionais. Não foi por outra razão que o general Richard chegou a responsabilizar as milícias: “Era um crime que já estava sendo planejado desde o fim de 2017, antes da intervenção”, disse à época. “Ela estava lidando em determinada área do Rio controlada por milicianos, onde interesses econômicos de toda ordem são colocados em jogo.”
Quebra-cabeças
No começo das investigações, houve uma operação rocambolesca para prender os supostos responsáveis pela morte de Marielle. Policiais foram despachados para a Zona Oeste do Rio; Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense; Petrópolis, na Região Serrana; Angra dos Reis, na Costa Verde; e até Juiz de Fora, em Minas. Em Angra, os policiais ficaram encurralados por traficantes na comunidade do Frade e precisaram da ajuda de policiais militares e de um helicóptero para sair do cerco. Em Juiz de Fora, PMs pararam a equipe para checar quem eram os homens armados que estavam circulando pela cidade, em carros descaracterizados. O delegado Giniton Lages comandou o show.
Na operação de ontem, um dos alvos foi o PM que testemunhou contra Orlando Curicica; outro, o delegado federal Helio Khristian Cunha de Almeida, o primeiro a ter contato com a testemunha, levada a ele pela advogada Camila Moreira Lima Nogueira, também investigada. Após um encontro na Urca, eles decidiram apresentar o PM ao então chefe da Polícia Civil, delegado Rivaldo Barbosa, que encaminhou todos para a Delegacia de Homicídios. Em janeiro passado, cinco pessoas foram presas em uma operação contra as milícias, entre elas o major Ronald Paulo Alves Pereira, suspeito de comprar e vender imóveis construídos ilegalmente na Zona Oeste do Rio, além de crimes relacionados à ação da milícia nas comunidades de Rio das Pedras, Muzema e adjacências, como agiotagem, extorsão de moradores e comerciantes, pagamento de propina e utilização de ligações clandestinas de água e energia. O ex-capitão Adriano da Nóbrega, que está foragido, é outro envolvido no caso.