O próximo lance de Lula será antecipar a convenção do PT e lançar sua candidatura, para criar um fato consumado e tentar concorrer à Presidência sub judice
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva completou ontem 100 dias numa cela improvisada da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. Condenado a 12 anos e um mês de prisão em regime fechado, mantém sua candidatura a presidente da República, apesar de considerado inelegível. A Lei da Ficha Limpa proíbe condenados em segunda instância de concorrerem às eleições. Com essa estratégia, porém, o nome do petista permanece nas pesquisas de intenção de votos e na mídia.
Os advogados de Lula fazem uma guerrilha no Judiciário para tentar livrar o ex-presidente da cadeia. O lance mais audacioso de Lula para manter seu protagonismo foi o pedido de habeas corpus feito por deputados petistas e aceito pelo desembargador Rogério Favreto, plantonista no Tribunal Regional Federal da Região (TRF-4), que tentou soltá-lo, mas foi impedido por determinação do presidente da Corte, desembargador Thompson Flores. Os juízes naturais do caso do tríplex de Guarujá, no qual o petista foi condenado, são o juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal, de Curitiba, responsável pela execução da pena, e o desembargador João Pedro Gebran Neto, relator do caso no TRF-4. A decisão de Favreto foi considerada “teratológica” pela presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministra Laurita Vaz.
O próximo lance de Lula será antecipar a convenção do PT e lançar sua candidatura, para criar um fato consumado e tentar concorrer à Presidência sub judice. É um lance ousado, porque afronta ainda mais o Judiciário, mas que leva em conta o rito do processo eleitoral. Nesse caso, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad seria indicado como vice, para vincular seu nome a Lula e substituí-lo como candidato no caso de impugnação do registro da candidatura. Lula tem a seu favor o fato de liderar as pesquisas de opinião, apesar da alta taxa de rejeição. Com isso, reforça o discurso de que está sendo vítima de uma perseguição para impedir no tapetão a sua volta ao poder.
Apesar de condenado por crime comum (receber vantagens indevidas durante o exercício do cargo), Lula se considera um prisioneiro político e organiza uma campanha internacional de solidariedade. O Brasil vive em regime de ampla liberdade, tem um governo constituído legalmente (Michel Temer era vice eleito de Dilma Rousseff) e um calendário eleitoral “imexível”. Como a narrativa do “golpe”, a versão “Lula, preso político” também é falsa.
Hoje, devido às viagens de Michel Temer, Rodrigo Maia e Eunício Oliveira, a ministra Cármen Lúcia assumirá a Presidência da República pela terceira vez. Temer participará de uma cúpula da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa em Cabo Verde e deve retornar ao Brasil amanhã. O ministro decano, Celso de Mello, assumirá a Corte. Ainda não será dessa vez que o vice-presidente do STF, Dias Toffoli, que está no exterior, assumirá a comando do Supremo. Há muita expectativa de que soltará Lula na primeira oportunidade em uma decisão monocrática. Como se sabe, Toffoli concedeu de ofício o habeas corpus que livrou da prisão o ex-ministro José Dirceu.
Enquanto o sol nasce quadrado para Lula, o horizonte político continua encoberto pelo nevoeiro de uma disputa eleitoral que se avizinha. As incertezas começam a repercutir no ambiente econômico, que ainda sente os efeitos da greve dos caminhoneiros e precifica a irresponsabilidade fiscal do Congresso, bem como a falta de popularidade do governo. Após a Copa do Mundo, as articulações para formação das coligações eleitorais foram intensificadas, e o PT opera para manter sob sua influência os velhos aliados, mas não há garantia de que os votos de Lula serão transferidos para Haddad.
Saúde
A presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, suspendeu as novas regras dos planos de saúde, que poderiam levar o consumidor a pagar até 40% do valor de consultas e exames, na forma de coparticipação. O reajuste é considerado “abusivo” em relação à média atual de 30% cobrada pelos planos de saúde. A ministra acolheu pedido de liminar da OAB contra a Agência Nacional de Saúde (Anvisa). “Saúde não é mercadoria. Vida não é negócio. Dignidade não é lucro. Direitos conquistados não podem ser retrocedidos sequer instabilizados”, escreveu na decisão.
Para Cármen Lúcia, a “tutela do direito fundamental à saúde do cidadão é urgente”, assim como “a segurança e a previsão dos usuários de planos de saúde”. Segundo a ministra, como o direito à saúde está previsto em lei, alterações em sua prestação devem ser objeto de ampla discussão na sociedade. Da forma como foi aprovada, a resolução poderia trazer instabilidade jurídica e incremento na judicialização no setor.