Não é preciso estar atrás das cortinas do Supremo para perceber que a Corte passa por mudança de composição que favorece os “garantistas”, entre os quais Mendes, Toffoli e Moraes
O maniqueísmo na política quase sempre impede uma avaliação correta da situação. É o caso da indicação do desembargador Kassio Marques para o Supremo Tribunal Federal (STF) pelo presidente Jair Bolsonaro. Não vou entrar no mérito do perfil do indicado, que será sabatinado no Senado tanto pelos que defendem sua indicação como por aqueles que o consideram sem as qualificações necessárias para integrar a Corte. São regras do jogo: vagou um cargo de ministro no Supremo, o presidente da República tem a prerrogativa de indicar um nome para o cargo, que precisa ter aprovação do Senado para ser efetivado.
É óbvio que a saída de um jurista do naipe do decano da Corte, ministro Celso de Mello, torna inevitável a comparação entre ambos, mas acontece que a escolha é política, não é técnica, como muitos gostariam. Desse ponto de vista, salta aos olhos que Bolsonaro tenha feito concessões aos políticos enrolados do Centrão que articulam sua base no Senado e aos ministros do Supremo que integram o grupo identificado como “garantista”. Bolsonaro fez política com os demais Poderes da República, o que consolida uma mudança, se considerarmos que, há alguns meses, estava em rota de colisão com o Congresso e o Supremo, isto é, com o Estado de direito democrático.
Não é preciso estar atrás das cortinas do Supremo para perceber que a Corte passa por uma mudança na sua composição que favorece os “garantistas”, entre os quais Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes têm mais cancha política, em termos de vivência nos bastidores do Poder Executivo, por terem sido ministros dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Michel Temer, respectivamente. Uma análise fria da nova composição das duas turmas do Supremo mostra essa alteração, ainda que o presidente do STF, ministro Luiz Fux, integre a chamada ala ”punitivista”, na qual despontam o relator da Lava-Jato, ministro Edson Fachin, e o ministro Luís Roberto Barroso, atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Falar em alas no STF, registre-se, é uma maneira perigosa e esquemática de identificar as tendências na Corte, talvez até maniqueísta, porque cada ministro é dono do seu pedaço, tem muito poder sobre os processos e toma decisões solitárias, a ponto de alguns analistas afirmarem que não existe um, mas onze Supremos. A Primeira Turma, que os advogados criminalistas apelidaram de “câmara de gás”, sob a presidência da ministra Rosa Weber, mudou de perfil com a substituição de Fux, que assumiu a Presidência da Corte, por Toffoli. Seus demais integrantes são os ministros Marco Aurélio Mello, Alexandre de Moraes e Barroso. Com a saída de Celso de Mello, que às vezes fazia papel de “tertius”na Segunda Turma, embora fosse considerado um “garantista”, abriu-se a vaga que, em tese, pode ser ocupada por Kassio Marques, se não for pleiteada por um ministro mais antigo que queira trocar de turma. Presidida por Gilmar Mendes, essa turma foi apelidada de “Jardim do Éden”, sendo integrada ainda por Ricardo Lewandowiski, Cármen Lúcia e Edson Fachin, o relator da Lava-Jato.
As pizzas
Tanto os processos da Lava-Jato como os de Flávio Bolsonaro transitam pela Segunda Turma, daí a grita da oposição, por causa da indicação de Kassio Marques, que é apontado como “garantista”. Bolsonaro preferia pôr alguém “terrivelmente evangélico” no cargo, como o ministro da Justiça, André Mendonça, ou o secretário-geral da Presidência, ministro Jorge Oliveira, indicado para o Tribunal de Contas da União (TCU). Ambos foram preteridos, o presidente da República optou por um nome que tivesse mais aceitação no Senado — Kassio Marques é católico e piauense, foi indicado pelo senador Ciro Nogueira (PI), presidente do PP e réu na Lava-Jato — e também boa aceitação entre os ministros da Segunda Turmas. Ou seja, sem julgamentos morais, respeitou as contingências da política.
Onde entra o novo normal? Quando examinamos a “pizzaiada” do fim de semana na casa do ministro Dias Toffoli, à qual compareceu o presidente Jair Bolsonaro e o seu indicado, além de outras autoridades, como o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), a pretexto de assistirem o jogo do Palmeiras. Terminar a noite comendo pizza parece piada feita, mas foi o que aconteceu. O encontro foi considerado “promíscuo” por muitos, mas marca uma mudança de comportamento do presidente Bolsonaro em relação ao Supremo, que desnorteou seus aliados e adversários.
Há alguns meses, o Supremo Tribunal Federal STF) teve que barrar os arroubos autoritários de Bolsonaro e reagir duramente aos ataques que sofria dos bolsonaristas, que ocupavam a Praça dos Três poderes e ameaçavam até mesmo invadir a Corte. Havia uma ampla maioria, tanto na Corte como no Congresso, que temia uma crise institucional, com desfecho imprevisível, mas a reação firme —que uniu “garantistas”e “punitivistas”— barrou a escalada. Esse é o lado que todos consideram positivo. Entretanto, o mesmo não se pode dizer quanto à Operação Lava-Jato. Não foi à toa que o novo presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, deixou claro ontem que o STF não vai participar de nenhum pacto político com os demais Poderes, quer preservar sua independência.
Falar em alas no STF, registre-se, é uma maneira perigosa e esquemática de identificar as tendências na Corte, talvez até maniqueísta, porque cada ministro é dono do seu pedaço, tem muito poder sobre os processos e toma decisões solitárias, a ponto de alguns analistas afirmarem que não existe um, mas onze Supremos. A Primeira Turma, que os advogados criminalistas apelidaram de “câmara de gás”, sob a presidência da ministra Rosa Weber, mudou de perfil com a substituição de Fux, que assumiu a Presidência da Corte, por Toffoli. Seus demais integrantes são os ministros Marco Aurélio Mello, Alexandre de Moraes e Barroso. Com a saída de Celso de Mello, que às vezes fazia papel de “tertius”na Segunda Turma, embora fosse considerado um “garantista”, abriu-se a vaga que, em tese, pode ser ocupada por Kassio Marques, se não for pleiteada por um ministro mais antigo que queira trocar de turma. Presidida por Gilmar Mendes, essa turma foi apelidada de “Jardim do Éden”, sendo integrada ainda por Ricardo Lewandowiski, Cármen Lúcia e Edson Fachin, o relator da Lava-Jato.