Luiz Carlos Azedo: Orlando Brito fez a crônica do poder, da glória e da solidão

Era impressionante a sua capacidade de ler a alma dos políticos, suas verdadeiras intenções e agruras, pela simples postura
Foto: Facebook
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Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

Sua filha única, Carolina, cuidou dele até o último momento. Mobilizou a solidariedade dos amigos, acompanhou os cuidados dos médicos, tentou convencer o pai a aceitar a nova situação sem se rebelar contra os tubos e aparelhos que o mantiveram vivo nos hospitais públicos de Brasília. O jornalista Orlando Brito foi sepultado ontem no Cemitério Campo da Esperança, na Asa Sul, após 34 dias de muita luta. Depois de duas cirurgias no intestino, em decorrência de um câncer, teve falência múltipla dos órgãos. Morreu íntegro e pobre, como acontece com muitos jornalistas, no Hospital de Taguatinga.

Orlando Péricles Brito de Oliveira nasceu em 1950, em Janaúba, Minas Gerais. Como muitos jornalistas da sua geração, começou a carreira muito jovem: em 1964, aos 14 anos, começou a trabalhar como laboratorista no jornal Última Hora, uma porta de entrada das redações; as outras eram a revisão e o trabalho de office boy. A profissão somente viria a ser regulamentada em outubro de 1969. Fez carreira nos principais veículos do país: O Globo, Jornal do Brasil e revistas Caras e Veja. Ao deixar a revista, criou a agência de notícias Obrito News, organizou seminários, deu aulas, fez conferências e palestras. Andou pelos cafundós do Brasil e pelo mundo afora, mas especializou-se na cobertura política.

Fotografou presidentes, ministros, senadores e deputados. O político que não foi flagrado em plena atividade por Orlando Brito passou batido por Brasília. Contou com seu olhar arguto 50 anos de história política do Brasil, com competência e sensibilidade que, na maioria das vezes, dispensava a legenda. Ele traduzia em imagens muitas vezes aquilo que nós, seus colegas da cobertura de política, não conseguíamos enxergar nem escrever.

Mas não foi só isso, como bom mineiro, seguiu o exemplo de Assis Horta, o grande fotografo de A Cigarra, filho de Diamantina, que registrou a vida banal das pessoas comuns, dando a elas a dignidade e a altivez perpétuas, invisíveis para as elites do começo do século passado. Brito fotografou trabalhadores em greve, protestos de estudantes, a vida dos índios, as agruras dos garimpos, a aridez graciliana dos sertões nordestinos. Mas também as personalidades do mundo esportivo e artístico, além cenas do cotidiano de cidades de mais de 60 países. Era um cosmopolita.

Foi o primeiro brasileiro premiado no World Press Photo Prize do Museu Van Gogh, de Amsterdã, na Holanda, o mais cobiçado prêmio de fotojornalismo do mundo. Conquistou o primeiro lugar pelo jornal O Globo, na categoria “Sequências”: registros de um exercício militar, intitulados “Uma missão fatal”. De tanto ganhar o Prêmio Abril de Fotografia, a partir da décima segunda vez foi considerado “hors concours”.

Poder, Glória e Solidão, que empresta o título à coluna, foi seu livro mais importante, dos seis que publicou. É um registro impressionante de episódios e protagonistas da história política do Brasil. Além de excelente repórter fotográfico, Brito era um grande cronista político e contador de histórias. O “making of” de trabalho, em textos bem-humorados e contextualizados historicamente, reúne aulas de bom jornalismo. Muitos deles estão no site Os Divergentes, do qual é um dos fundadores.

Compromisso com a ética

Não tive a fortuna de trabalhar diretamente com Orlando Brito, fazendo dupla nas reportagens, mesmo quando fui repórter da antiga Última Hora, no Rio de janeiro, e no Globo, na sucursal de São Paulo. Entretanto, já como repórter de política em Brasília, compartilhamos muitos momentos da vida política nacional. E aprendi a prestar muita atenção naquilo que o Brito falava, muitas vezes sutis sugestões de pautas. Era impressionante a sua capacidade de ler a alma dos políticos, suas verdadeiras intenções e agruras, pela simples postura. Brito capturava o instante certo.

Assim, passei a fazer parte de uma confraria de jornalistas de política que se reúne regularmente, eventualmente, duas vezes por semana. Como somos da mesma geração, cada qual é um mar de histórias, sendo Brito um oceano. Às vezes, ele saía para fotografar algum evento na Esplanada dos Ministérios. Invariavelmente, voltava satisfeito com o resultado de seu próprio trabalho e nos mostrava as fotos, orgulhoso, antes de publicar: “olha isso, ouro puro”. Educado, delicado, tratava a todos com a mesma urbanidade, mas sabia qual era seu lugar no podium da profissão.

Sua recente diversão era registrar os humores do presidente Jair Bolsonaro e o clima no governo, a partir de detalhes nas solenidades e entrevistas que somente ele conseguia capturar. Previu internações do presidente da República, flagrou momentos de estresse da equipe de governo, antecipou quedas de ministros. Até as rusgas domésticas com a primeira-dama, Michelle, seus olhos atentos conseguiam captar. Volta e meia nos mostrava uma foto e dizia: “essa é impublicável”. Sua ética era impressionante, Orlando Brito respeitava a fronteira entre o público e o privado, nunca foi um paparazzi.

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