Luiz Carlos Azedo: O xadrez do segundo turno

“O primeiro turno, se examinarmos as eleições de governadores, senadores e deputados, mostra uma realidade política mais complexa do que o antagonismo radical entre Bolsonaro e Haddad”.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

“O primeiro turno, se examinarmos as eleições de governadores, senadores e deputados, mostra uma realidade política mais complexa do que o antagonismo radical entre Bolsonaro e Haddad”

Confirmando as expectativas, teremos segundo turno nas eleições para presidente da República, entre Jair Bolsonaro (PSL), que larga na frente, com cerca de 46, 3% dos votos, e Fernando Haddad (PT), com 29, 2%, aproximadamente. A onda Ciro Gomes (PDT), que teve em torno de 12,5% dos votos, esperança do movimento a favor do voto útil, não se confirmou. Geraldo Alckmin (PSDB) teve pouco mais de 4,8% dos votos e Marina Silva (Rede), completamente desidratada, apenas 1% dos votos — atrás de João Amoedo (Novo), com 2,5%; Cabo Daciolo (Patriotas), 1,2%; e Henrique Meirelles, 1,2%.

O realinhamento de forças políticas será importante no segundo turno. Parcela considerável do eleitorado, porém, se deslocará antecipadamente, o que deverá fazer com que Bolsonaro comece o segundo turno com mais de 50% dos votos válidos nas pesquisas. É uma conta simples de ser feita: a maioria dos votos de Amoedo, Daciolo e Meirelles, que somam em torno de 5%, tende a se transferir para o candidato do PSL, que precisaria de mais 4% dos votos válidos para vencer o pleito; Haddad, em contrapartida, mesmo com a maioria dos votos de Ciro e Marina, que somam 13,5%, alcançaria no máximo 42% dos votos. Ou seja, por gravidade, Bolsonaro derrotaria Haddad no segundo turno.

Entretanto, como já se viu várias vezes, teremos uma nova eleição. Haverá debate político entre os dois candidatos, que continuarão se digladiando no horário eleitoral gratuito e nas redes sociais. Bolsonaro, desta vez, terá paridade de meios para a propaganda no rádio e na tevê. A rigor, não precisará de um grande esforço em direção ao centro para vencer as eleições, porque já capturou uma parte desse eleitorado. Seu discurso politicamente incorreto, que aparentemente é seu ponto fraco, não foi empecilho ao seu desempenho no primeiro turno; porém, pode levá-lo a perder os votos transferidos por gravidade.

A situação de Haddad é mais complexa. Chegou ao segundo turno graças ao carisma de Lula, que abduziu sua identidade, mas isso lhe trouxe também a grande rejeição antipetista. O discurso de quem põe a soberania nacional e a soberania popular acima de tudo é envelhecido, passa a ideia de dubiedade quanto ao compromisso com as instituições democráticas e uma visão nacional desenvolvimentista ultrapassada, que dificulta suas alianças. A sua soberba também pode pôr tudo a perder, porque precisa conquistar mais de 21% dos votos válidos para ganhar as eleições. Os votos da esquerda não chegam a tanto. Os 4,8% que ficaram até o fim com Geraldo Alckmin, por exemplo, podem fazer a diferença.

Num artigo intitulado “Ao vencedor, as batatas”, publicado ontem no jornal O Estado de São Paulo, o cientista político Luiz Werneck Viana adverte: “O artifício de negar a identidade ao centro político, de existência comprovada empiricamente em nossa sociedade há décadas, não tem como resistir ao império dos fatos. A iminência de um segundo turno eleitoral nos devolve, em clima de pânico, com o tempo fugindo das mãos, a busca pelo centro perdido. Sem ele, como vencer as eleições, pior, como governar? Com Haddad teremos o indulto de Lula e a convocação de uma Assembleia Constituinte? Faltaria combinar com os russos, que, aliás, são muitos. Que economia nos espera com Bolsonaro, a do Pinochet, neoliberalismo com fuzis?”

Governadores

“O centro político, banido do salão, volta com força por todas as janelas”, ironiza Werneck. Na verdade, quem quiser vencer o segundo turno terá que encontrar uma linha de ação compatível com o novo Congresso, já eleito e mais conservador (destaque para o strike ocorrido no Senado), e com os governadores já eleitos ou que disputam o segundo turno. Há um jogo a ser jogado nas disputas regionais: São Paulo, Minas, Rio de Janeiro, Brasília, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Roraima, Rondônia, Amapá, Amazonas, Pará, Rio Grande do Norte e Sergipe terão segundo turno para escolher seus governadores. É um campeonato de xadrez político que Bolsonaro e Haddad terão de jogar, pois são essas alianças que podem mudar a deriva natural dos eleitores.

A radicalização política esquerda versus direita continuará a dividir o país, mas será mitigada pelas alianças ao centro. Vencerá quem compreender a necessidade de construir uma ampla maioria em torno de um projeto exequível para o país, nos marcos das instituições democráticas. Quem insistir na lógica da confrontação, num processo de desestabilização da democracia, se arrisca a perder as eleições, porque há uma forte consciência democrática na maioria da sociedade. O resultado das urnas no primeiro turno, se examinarmos as eleições de governadores, senadores e deputados, mostra uma realidade política mais complexa do que o antagonismo radical entre Bolsonaro e Haddad.

Nas entrelinhas: O xadrez do segundo turno

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