Em razão do esgarçamento do tecido social e do desgaste da política, é preciso ser porta-voz da “aventura, felicidade, grandiosidade e ousadia” para vencer
Na astrofísica, “nada” se chama “vácuo”. Segundo os cientistas, o universo é composto por 74% de vazio; 22% de matéria escura (só interage com a gravidade) e os outros 4% são realmente matéria tangível e mensurável. Na política, porém, costuma-se dizer que não existe espaço vazio. O vácuo sempre será ocupado por alguém. Essa talvez seja a maior incógnita das eleições de 2018, no day after do strike político da Operação Lava-Jato, que pode levar de roldão a elite política do país.
Os candidatos “históricos” do PSDB — José Serra, Geraldo Alckmin e Aécio Neves — estão sendo volatilizados pelas delações premiadas da Odebrecht; candidato do PT, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva corre sério risco de ser preso e ficar fora da disputa. Marina Silva (Rede) tangencia a política, como quem teme ser identificada com os demais. Por enquanto, quem está solto na raia é o ultradireitista Jair Bolsonaro (PSC-RJ).
Analistas costumam dizer que toda pesquisa é uma fotografia do momento, nada impede que possa haver grandes mudanças no processo eleitoral. É verdade, mas isso somente reforça a necessidade de identificar as linhas de força do processo, ou seja, aquelas tendências que podem se afirmar até o pleito. Por exemplo, há duas eleições que Marina Silva mantém em torno de um quinto do eleitorado: em 2014, obteve 21% dos votos válidos; em 2010, 19%. Resta saber se a tática que tem adotado segura esse eleitorado. As pesquisas não mostram isso. Marina aparece em empate técnico com Bolsonaro.
A competitividade da candidatura de Lula é real. Na última pesquisa CNT/MDA (15/02), o petista liderava em todos os cenários estimulados. A) Lula: 30,5%, Marina Silva: 11,8%, Jair Bolsonaro: 11,3%, Aécio Neves: 10,1%, Ciro Gomes: 5,0%, Michel Temer: 3,7%, Branco/Nulo: 16,3%, Indecisos: 11,3%; B) Lula: 31,8%, Marina Silva: 12,1%, Jair Bolsonaro: 11,7%, Geraldo Alckmin: 9,1%, Ciro Gomes: 5,3%, Josué Alencar: 1,0%, Branco/Nulo: 17,1%, Indecisos: 11,9%; C) Lula: 32,8%, Marina Silva: 13,9%, Aécio Neves: 12,1%, Jair Bolsonaro: 12,0%, Branco/Nulo: 18,6%, Indecisos: 10,6%.
Entretanto, o que mais interessa aqui é o vácuo político revelado na pesquisa espontânea, que geralmente aponta o voto consolidado. A situação é um espanto: Lula: 16,6%, Jair Bolsonaro: 6,5%, Aécio Neves: 2,2%, Marina Silva: 1,8%, Michel Temer: 1,1%, Dilma Rousseff: 0,9%; Geraldo Alckmin: 0,7%, Ciro Gomes: 0,4%, Outros: 2,0%, Branco/Nulo: 10,7%, Indecisos: 57,1%. É nesse cenário que o novo prefeito de São Paulo, João Doria, desponta como opção tucana em caso de o desastre anunciado pelas delações premiadas realmente ocorrer.
Dória foi catapultado nesta semana por uma pesquisa do instituto DataFolha que lhe garantiu uma aprovação de 76% (43% de ótimo/bom e 33% de regular), contra 20% que o consideram ruim/péssimo. É a melhor avaliação de um administrador da capital paulista em 30 anos. Eleito em outubro com 53,29% dos votos válidos, no primeiro turno, não é à toa que seu nome começa a ser apontado nos bastidores do PSDB como uma alternativa para ocupar o vácuo político criado pela Lava-Jato. Qual é o segredo de Dória?
O espetáculo
O “neotucano” é um craque da chamada “sociedade do espetáculo”. A melhor definição sobre o assunto é do filósofo francês Guy Debord (1931-1994): “O espetáculo consiste na multiplicação de ícones e imagens, principalmente através dos meios de comunicação de massa, mas também dos rituais políticos, religiosos e hábitos de consumo, de tudo aquilo que falta à vida real do homem comum: celebridades, atores, políticos, personalidades, gurus, mensagens publicitárias — tudo transmite uma sensação de permanente aventura, felicidade, grandiosidade e ousadia. O espetáculo é a aparência que confere integridade e sentido a uma sociedade esfacelada e dividida” (A sociedade do espetáculo, editora Contraponto).
A eleição de Doria não foi um fenômeno novo, pois outros candidatos que surgiram do nada (estamos nos referindo às fileiras dos partidos) surpreenderam os favoritos e venceram as recentes eleições municipais, mas não um pleito da envergadura da disputa paulista. Além disso, o novo prefeito contou com a estrutura do PSDB, o mais poderoso partido de São Paulo, para se eleger. Isso garante uma escalada do prefeito paulistano à presidência, como já se fala?
É difícil usar a prefeitura como trampolim para o Palácio do Planalto. Além disso, Doria teria que furar a fila na qual seu padrinho político está à frente. Mas tudo na política brasileira hoje é muito volátil, por causa da Lava-Jato. E na “sociedade do espetáculo”, em razão do esgarçamento do tecido social e do desgaste da política, é preciso ser porta-voz da “aventura, felicidade, grandiosidade e ousadia” para vencer. Esse é perfil do candidato do vácuo.