A revogação da prisão do deputado Daniel Silveira ganharia ares de impunidade para um comportamento inaceitável numa ordem democrática, à qual se opõe
O Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade, manteve a prisão em flagrante do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), aquele que na campanha eleitoral destruiu uma placa de rua com o nome da vereadora Marielle Franco (PSol), assassinada por milicianos do Rio de Janeiro. Na terça-feira, o parlamentar, em live de quase 20 minutos, fez ameaças ao STF e a diversos ministros da Corte, com afirmações caluniosas e atentatórias ao Estado de direito democrático. À noite, foi preso pela Polícia Federal, que cumpriu mandado de prisão em flagrante expedido pelo ministro Alexandre de Moraes.
Ex-policial militar, várias vezes punido por mau comportamento, Silveira deixou a corporação ao se eleger deputados federal na onda bolsonarista, em 2018. Está sendo investigado nos inquéritos que apuram as fake news contra o Supremo e os responsáveis pelas manifestações em favor de uma intervenção militar, sob responsabilidade do ministro Moraes. É suspeito de supostas ligações com as milícias do Rio de Janeiro e de ser um dos líderes dos grupos de extrema-direta que pregam a volta do regime militar.
O pretexto para gravação do vídeo por Silveira foram as declarações do ministro Édson Fachin a propósito do depoimento do ex-comandante do Exército Eduardo Villas-Boas, ao Centro de Pesquisa e Documentação (CPDoc) da Fundação Getulio Vargas (FGV), no qual o general afirma que o texto de seu Twitter sobre o julgamento do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio da Silva, em 2018, fora discutido no Alto-Comando do Exército. No vídeo, Silveira também defende a volta do Ato Institucional nº 5, que levou à fascistização do regime militar implantado após o golpe de 1964 , que destituiu o presidente João Goulart.
O vice-procurador-geral da República Humberto Jaques de Medeiros, ontem mesmo, denunciou Silveira por instigar a ruptura institucional e a animosidade entre o Supremo e as Forças Armadas. A decisão unânime do Supremo cria também jurisprudência sobre esse tipo de manifestação, nas redes sociais, que prega a ruptura da democracia e a violência contra seus poderes constituídos. Hoje, haverá audiência de custódia de Daniel Silveira, mas dificilmente sua prisão em flagrante será revogada por Moraes.
A prisão de Silveira pegou de surpresa o Congresso, principalmente o presidente da Câmara, Arthur Lira, que recém-assumiu o cargo e já está no epicentro de uma crise política provocada por um de seus aliados. A decisão de Moraes gerou polêmica sobre a liberdade de expressão e a imunidade parlamentar, principalmente, na Câmara, onde aliados de Silveira protestaram contra a decisão por afinidade ideológica. Outros parlamentares, porém, por convicções políticas e jurídicas, consideram que a prisão em flagrante, nas circunstâncias que se deram, é uma afronta à imunidade parlamentar.
Narrativa fascista
Presidente da Casa, Lira havia convocado uma sessão plenária para discutir a questão hoje à tarde, mas a suspendeu. Em seu lugar, marcou uma reunião de líderes. Tenta, ainda, negociar a conversão da prisão em flagrante em prisão domiciliar, para evitar um confronto entre a Câmara e o Supremo, mas essa possibilidade ontem era muito remota. É prerrogativa da Câmara revogar ou não a prisão de deputado. Por mais que se faça uma discussão técnica na Casa, qualquer decisão será política.
A defesa do instituto da imunidade tem forte apelo entre os pares de Silveira. Muitos já são favoráveis à punição do parlamentar pela própria Casa, onde já foi apresentado, pelos partidos de oposição, um pedido de cassação de mandato, por quebra de decoro parlamentar, na Comissão de Ética da Câmara. Nos bastidores, cresce a avaliação de que a revogação da prisão de Silveira não vale um confronto com o Supremo, que seria muito desgastante para os dois Poderes e a antessala de uma grave crise institucional. A manifestação do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), foi no sentido de evitar essa crise.
No sábado de Carnaval, os decretos do presidente Jair Bolsonaro sobre venda de armas, uma espécie de “liberou geral” para quem gosta de andar armado, invadiram as prerrogativas do Congresso e geraram apreensão entre os parlamentares, porque os grupos de extrema-direita que Silveira e outros deputados representam estão se transformando em milícias políticas armadas. A truculência desses grupos, principalmente nas eleições, é uma ameaça à democracia.
Foi essa truculência que Daniel Silveira escalou ao ameaçar os ministros do Supremo, pois já tinha dado mostras desse comportamento em diversos episódios, desde a sua eleição. A revogação de sua prisão, em termos políticos, ganharia ares de impunidade para um comportamento inaceitável numa ordem democrática, à qual Silveira se opõe; legitima uma narrativa política de características fascistas na tribuna da Câmara. A imunidade parlamentar tem outras dimensões, que precisam ser consideradas.