“Bolsonaro falou o que todos queriam ouvir, depois de vários discursos dos chefes dos poderes nos quais se reiterou a centralidade do respeito à Constituição para a vida política do país”
O ponto alto das comemorações dos 30 anos da Constituição de 1988, ontem, na sessão solene do Congresso Nacional, foi a declaração do presidente eleito, Jair Bolsonaro, de que a Carta Constitucional é o único norte da democracia brasileira. Usou o que aprendeu na academia militar para fazer uma analogia: “Na topografia, existem três nortes, o da quadrícula, o verdadeiro e o magnético. Na democracia, só um norte, é o da nossa Constituição”, disse num discurso rápido, ao lado das principais autoridades da República.
Bolsonaro falou o que todos queriam ouvir, depois de vários discursos dos chefes dos poderes nos quais se reiterou a centralidade do respeito à Constituição para a vida política do país. Não faltaram recados para o presidente eleito: “Devemos sempre, sempre respeitá-la (a Constituição) e, principalmente, cumpri-la”, ressaltou o presidente do Senado, Eunício de Oliveira (MDB-CE). “Não é trivial que propostas que acenaram para a substituição da Constituição em vigor tenham sido repudiadas pela opinião pública durante o último processo eleitoral”, disse o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
“Nossa Constituição reconhece a pluralidade étnica, linguística, diferença de opinião, a equidade no tratamento e o respeito às minorias, garante liberdade de imprensa para que a informação e a transparência saneiem o conluio e revelem os males contra indivíduos de bem comum”, lembrou a procuradora-geral da República, Raquel Dodge. “Não podemos negar que temos passado por episódios turbulentos nos últimos anos, investigações envolvendo a própria classe política e empresarial, um impeachment de uma presidente da República, a cassação de presidente da Câmara, a prisão de um ex-presidente da República. Olho com otimismo, pois todos os impasses foram resolvidos pela via constitucional, com respeito à Constituição e às leis brasileiras”, arrematou o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli.
Último a falar, o presidente Michel Temer, que foi constituinte, destacou a grande participação da sociedade na elaboração da Constituição e o fato de que, na democracia, a soberania é uma titularidade do povo, não de seus representados. Sugeriu que Bolsonaro se reúna com os presidentes dos demais poderes regularmente, “para direcionar o país no caminho que a Constituinte de 88 anos indicou”. Testemunha privilegiada desses 30 anos, o ex-presidente José Sarney, que convocou a Constituinte, e foi um crítico do texto constitucional, participou da cerimônia, não discursou. Essa nunca foi a Constituição dos seus sonhos, mas é o seu maior legado político à história do Brasil. Com ela, Sarney garantiu a transição democrática e protagonizou o restabelecimento do Estado democrático de direito, como enfatizou Temer, um professor de direito constitucional.
Reformas
A elaboração de uma nova Constituição foi um dos temas debatidos no primeiro turno das eleições. O candidato do PT, Fernando Haddad, havia proposto a convocação de uma Constituinte exclusiva em seu programa de governo; o vice de Bolsonaro, general Hamilton Mourão, chegou a defender que uma comissão de notáveis elaborasse um novo texto constitucional, que depois seria submetido a um plebiscito. Ambas as propostas foram esquecidas no segundo turno, tamanhas discórdia e polêmica que causaram.
O canto de sereia do revisionismo constitucional partia da ideia de que o ciclo político que a pautou se esgotou. As principais críticas, de vários matizes, são: extensa e prolixa, abarca questões que deveriam ser objeto de legislação ordinária; excesso de direitos outorgados e escassez de deveres; rigidez orçamentária e ordenamento tributário engessado; ampliação de prerrogativas corporativas e manutenção de privilégios, em especial, pelo funcionalismo público; alargamento da autoridade do Judiciário, particularmente do Supremo Tribunal Federal e do Ministério Público Federal.
Entretanto, foi a graças à atual Constituição que todas as crises políticas se resolveram por vias institucionais, pacificamente, sem intervenção dos militares, como até então ocorrera na história republicana. Ao defendê-la, o país pode vir a superar o clima de radicalização que caracterizou a disputa eleitoral. A Carta de 1988 pode não ser enxuta como a norte-americana, de 1789, nem tão antiga, como a Carta Magna inglesa, de 1521, mas ainda é o que nos une.