Bolsonaro tem uma interpretação do Poder delegado pelos eleitores à Presidência que extrapola seus limites constitucionais, vem daí o conflito institucional
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
O presidente Jair Bolsonaro demonstrou grande capacidade de mobilização no dia 7 de setembro. Maior do que a oposição imaginava, porém, menor do que gostaria que fosse, para ir adiante no seu projeto de emparedar o Supremo Tribunal Federal (STF) e/ou dar um golpe de Estado. Grande o suficiente para garantir uma base parlamentar capaz de barrar um processo de impeachment, como ficou claro no pronunciamento do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL). Não o bastante para intimidar o STF, como deixou claro o seu presidente, ministro Luiz Fux.
O país está prisioneiro de uma armadilha criada pelo presidente da República. É um impasse no qual as pesquisas de opinião apontam o seu enfraquecimento, mas não ainda o suficiente para inviabilizar sua presença no segundo turno. Bolsonaro perde a expectativa de reeleição, mas continua controlando a forma mais concentrada de poder: o governo, que arrecada, normatiza e coage. Sua gestão é um desastre multifacetado, que turva o horizonte político e econômico e agrava os problemas sociais, é certo. Mesmo assim, Bolsonaro contém a expetativa de poder da oposição, gerada principalmente pelo favoritismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com a ameaça de impedir as eleições ou não aceitar seu resultado. Ou seja, de não deixar que o petista tome posse, caso vença as eleições, como ameaçara Carlos Lacerda na campanha eleitoral de 1950.
Como diria o Barão de Itararé, tudo seria fácil se não fossem as dificuldades. Os episódios do Dia da Independência e os de ontem, com os pronunciamentos do presidente da Câmara e do presidente do Supremo, refletem o outro lado da mobilização bolsonarista. Além de uma fieira de crimes eleitorais — propaganda antecipada, uso indevido de recursos públicos, financiamento ilegal etc. —, Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade ao atacar o Supremo e dizer que não aceitaria decisões do ministro Alexandre de Moraes. A premissa de um processo de impeachment já está dada; a forma, ainda não. É um processo político, que somente começa quando o presidente da Câmara tira da gaveta um dos pedidos de impeachment.
Bolsonaro lançar suas falanges políticas contra as instituições, que trata como se fosse a oposição e não Poderes e/ou agências de Estado, foi um erro crasso. Em vez de sair do isolamento e retomar a capacidade de iniciativa política, acabou mais isolado ainda. Criou um clima favorável ao surgimento de uma candidatura de centro, comprometida com a democracia, ou seja, alternativa a ele próprio, e não a Lula. O monitoramento das redes sociais pelas agências de risco aponta nessa direção. Há pré-candidatos assumidos: Ciro Gomes (PDT), João Doria (PSDB), Luiz Henrique Mandetta (DEM), Alessandro Vieira (Cidadania), ou que se fingem de mortos — Sérgio Moro (sem partido) e Rodrigo Pacheco (DEM). Quem conseguir galvanizar “a direita da esquerda e a esquerda da direita” do eleitorado pode emergir como alternativa de poder e chegar ao segundo turno. Seus partidos já dialogam intensamente, em busca de uma coalizão contra Bolsonaro.
Estado-maior
É muito difícil entender a cabeça do presidente da República, porque ele foge aos paradigmas tradicionais da política e da normalidade institucional. Mas é possível definir o caráter bonapartista de seu governo, em conflito com a Constituição de 1988 e hegemonizado por três generais amigos — o ministro da Defesa, Braga Neto, o golpista; Luiz Ramos, secretário-geral da Presidência, o mais amigo, e Augusto Heleno, chefe do Serviço de Segurança Institucional, o ideólogo —, e pelos filhos, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), o articulador empresarial; o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que coordena os grupos de extrema direta; e o vereador carioca Carlos Bolsonaro, o grande operador de suas redes sociais. Os demais ministros são meros coadjuvantes, mesmo o novo chefe da Casa Civil, senador Ciro Nogueira (PP-PI), que entrou no governo para tirar Bolsonaro do isolamento e foi engolido pela radicalização.
A estratégia de Bolsonaro é politizar ao máximo fracasso econômico e administrativo, deslocando o eixo da discussão dos problemas reais da população e transferindo responsabilidades para governadores, prefeitos e os demais Poderes, na linha de que o Judiciário não deixa o presidente da República governar, nem o Congresso aprova as reformas. Bolsonaro tem uma interpretação do Poder delegado pelos eleitores à Presidência que extrapola seus limites constitucionais, vem daí o conflito institucional. Ontem, apoiadores mais radicais e truculentos tentaram invadir o Supremo Tribunal Federal (STF). Bolsonaro incitou-os e sinalizou que pretende mobilizá-los para impedir as eleições de 2022, na véspera, uma ameaça muito grave à democracia.