O candidato no poder tem vantagens estratégicas e precisa errar muito para perder a eleição. A oposição enfrenta muitas dificuldades para construir uma alternativa convincente
O presidente Jair Bolsonaro não é mais um líder sem estado-maior. No Palácio do Planalto, consolidou-se um alto-comando formado por oficiais generais de quatro estrelas: Braga Netto (Casa Civil), Luiz Ramos (Secretaria de Governo) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), agora reforçado com a ida do almirante de esquadra Flávio Augusto Vianna Rocha, da Secretaria de Assuntos Estratégicos para a Secretaria-Geral da Presidência, no lugar do ministro Jorge Oliveira. Completam o time os líderes do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE); no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO); e na Câmara, Ricardo Barros (PP-PA), que operam as articulações políticas no Congresso, com apoio dos ministros do Desenvolvimento, Rogério Marinho; da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas; e da Agricultura, Teresa Cristina. O cururu na história é o ministro da Economia, Paulo Guedes, que joga praticamente sozinho.
Duas batalhas estão em curso no Congresso: uma é a disputa pelo controle da Comissão de Orçamento, entre o DEM e os partidos de Centrão; outra é pela reeleição dos presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que depende da aprovação de uma emenda constitucional pelo Congresso –– muito difícil –– e da aceitação da mudança regimental pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o que é mais difícil ainda. Alcolumbre trabalha abertamente pela permanência no cargo, com apoio do Palácio do Planalto, mas o mesmo não ocorre com Maia, que, inclusive, se declara contra a reeleição. Em qualquer circunstância, porém, o candidato do Palácio do Planalto a presidente da Câmara é o deputado Arthur Lira (AL), líder da bancada do PP.
Bolsonaro se finge de morto nas eleições municipais, mas opera uma estratégia bem pensada de ocupação do centro político, um espaço cada vez mais aberto em razão do esvaziamento das nunca assumidas pré-candidaturas do ex-ministro da Justiça Sergio Moro e do apresentador Luciano Huck. Quando a popularidade de Bolsonaro despencou, em razão da pandemia da covid-19 e das suas próprias trapalhadas, ambos apareciam como possíveis alternativas de poder, inclusive com estruturas partidárias à disposição: o Podemos, no caso de Moro, e o Cidadania, no caso de Huck. Acontece que “o mundo gira e a Lusitânia roda”, como diz o velho reclame de caminhões de mudança. A pandemia virou tudo de pernas para o ar. O governador de São Paulo, João Dória (PSDB), enfraquecido pela crise sanitária, está confinado e, provavelmente, concorrerá à reeleição.
O terreno
Cavalo não passa arreado quando se trata de reeleição. O candidato no poder tem vantagens estratégicas que pesam na balança e precisa errar muito para perder a eleição. A oposição enfrenta muitas dificuldades, precisa construir uma alternativa de poder que seja convincente. Isso não é possível com dissimulação. Moro e Huck estão se inviabilizando por causa disso. Ciro Gomes, o candidato do PDT, que tenta essa construção pela terceira vez, foi completamente contingenciado pelo PT, que manteve a candidatura de Lula, mesmo considerado um ficha-suja, ofuscando, inclusive, a melhor alternativa que a legenda teria: Fernando Haddad, que nas eleições passadas obteve 47 milhões de votos, 44,8% do total, contra 57,7 milhões de Bolsonaro, 55,1% dos votos válidos. Com Ciro emparedado, Lula acredita que o PT terá um lugar seguro no segundo turno contra o presidente. O grande risco é a reeleição ocorrer no primeiro, com o deslocamento de Bolsonaro para o centro. Por isso, ele não faz o menor esforço para alavancar os candidatos bolsonaristas de raiz nas eleições municipais.
Militares classificam os terrenos de acordo com as dificuldades de manobra. O campo que pode ser facilmente atravessado por qualquer lado é considerado acessível, leva vantagem quem ocupa as melhores posições primeiro. É o que está sendo feito por Bolsonaro. Nas eleições municipais, faz um duplo movimento: de um lado, avança sobre o eleitorado de baixa renda, graças ao auxílio emergencial; de outro, tece alianças com os adversários de seu inimigo principal, a esquerda, principalmente no Nordeste. Sua prioridade é impedir que surja uma alternativa de poder ao centro e isolar a esquerda; não é agradar a sua base eleitoral mais ideológica, que não tem alternativa. Como a esquerda é incapaz de se aliar ao centro, a não ser quando recebe apoio eleitoral, a manobra de ocupação de terreno ficou muito mais fácil.
Ninguém se iluda, a política tradicional não morreu. Renasce das cinzas na disputa pelo controle das prefeituras e câmaras municipais, uma tradição que vem desde o período colonial. O MDB é o partido com maior número de candidatos (44 mil), seguido pelo PSD (39 mil) e PP (38 mil); todos estão na base de Bolsonaro e podem emergir das eleições municipais como os maiores partidos. DEM, PSDB, ao centro, e PT, à esquerda (com 30 mil cada), disputam o segundo pelotão. Republicanos e PL, bolsonaristas; e PDT (com 28 mil) e PSB (26 mil), firmes na oposição, vêm a seguir. PTB, PSL, na base de Bolsonaro, e Podemos, ao centro, estão na faixa dos 20 mil. PSC, Solidariedade, Patriota e o Avante, governistas, e Cidadania, na oposição, em torno de 17 mil. Mais abaixo estão a oposição mais à esquerda: PV e o PCdoB (10 mil); PSol e Rede, com menos de 5 mil candidatos.