Luiz Carlos Azedo: O cavalo do cão

“A eleição de Alcolumbre fortaleceu o DEM e o chefe da Casa Civil, Onix Lorenzoni, que passaram a controlar o Senado. Ou seja, o presidente Jair Bolsonaro foi o grande vitorioso”.
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil

“A eleição de Alcolumbre fortaleceu o DEM e o chefe da Casa Civil, Onix Lorenzoni, que passaram a controlar o Senado. Ou seja, o presidente Jair Bolsonaro foi o grande vitorioso”

As duas sessões para eleição do novo presidente do Senado revelaram os lados da moeda do novo ciclo legislativo que se abre: na sexta-feira, a tumultuada condução dada pelo senador Davi Alcolumbre (DEM-RJ) subverteu as regras do jogo para escolha dos presidentes dos Poderes, com a adoção do voto aberto; ontem, a Casa voltou à calma, sob a presidência do velho senador José Maranhão (MDB-PB), que restabeleceu o voto secreto, seguindo determinação do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli. Essa contradição entre o “novo” e o “velho” pautará as relações na Casa durante a legislatura. Mesmo assim, Alcolumbre foi eleito no primeiro turno, com 42 votos, depois que Renan Calheiros (MDB-AL), ao perder o favoritismo, renunciou. Não deu zebra na eleição; para usar uma expressão do grande derrotado, deu cavalo do cão.

O que houve foi uma rebelião. O Senado havia aprovado o voto aberto para eleição, por 50 votos a favor contra dois, decisão que indicava os rumos das coisas, mas contrariava o regimento da Casa e a liminar de 9 de janeiro do próprio Toffoli, que determinava a realização de votação secreta para a eleição. Diante dessa decisão, MDB e Solidariedade fizeram três pedidos ao STF: assegurar a validade do regimento interno da Casa que prevê a eleição de forma secreta; anular a votação da “questão de ordem”, submetida ao plenário pelo senador Davi Alcolumbre, que tratava da votação aberta aos cargos da Mesa; e reconhecer que candidatos à Presidência do Senado Federal não possam, em nenhum momento, presidir reuniões preparatórias. Alcolumbre, realmente, havia exorbitado na condução.

Toffoli, em liminar assinada na madrugada de ontem, anulou as decisões de Alcolumbre e restabeleceu o voto secreto: “Declaro a nulidade do processo de votação da questão de ordem submetida ao plenário pelo senador da República Davi Alcolumbre, a respeito da forma de votação para os cargos da Mesa Diretora. Comunique-se, com urgência, por meio expedito, o senador da República José Maranhão, que, conforme anunciado publicamente, presidirá os trabalhos na sessão marcada”, determinou o ministro.

Impasse
O impasse se deu por causa da disputa entre o DEM e o MDB pelo controle do Senado, com o ministro-chefe da Casa Civil, Onix Lorenzonni, operando fortemente para eleger Davi Alcolumbre. A candidatura de Renan Calheiros (MDB-AL), que pleiteava o quinto mandato, nunca foi pacífica nem no seu partido. Simone Tebet (MDB-MT) havia recebido cinco votos dos 13 da bancada. Além disso, Renan enfrentou forte reação de senadores veteranos com os quais já tinha antigas desavenças, como Tasso Jereissati (PSDB-CE), com quem quase trocou tapas na sessão. Major Olímpio (PSL-SP) e Álvaro Dias (Podemos) retiraram suas candidaturas, assim como Simone Tebet, que era candidata avulsa, todos declarando votos para Alcolumbre. Collor de Mello (PTB-AL), Reguffe (DF-sem partindo), Coronel Angelo (PSD-CE) e Esperidião Amin (PP-SC) mantiveram as candidaturas. A correlação de forças havia mudado no Senado, com os novos senadores em sintonia com as redes sociais.

A primeira votação foi um vexame: apareceram 82 votos para 81 senadores. Foi preciso realizar outra votação, para evitar a implosão da sessão, que passou por outros tumultos. A aliança heterodoxa entre o líder da Rede, Randolfe Rodrigues (AP), autor do requerimento do voto aberto, e Alcolumbre, decisiva para a vitória no primeiro turno, não surgiu ontem, vem das eleições no seu estado, onde ambos caminham juntos há várias eleições, numa disputa com o grupo do ex-presidente José Sarney (MDB). A defesa do voto aberto, com amplo respaldo da opinião pública, referendou a aliança, em nome da renovação da liderança da Casa, independentemente de ideologias. Somente o PT se manteve firme na aliança com Renan, que reproduz os acordos entre os senadores dos dois partidos nos estados do Nordeste. Entretanto, quando Flávio Bolsonaro (PSC-RJ) revelou seu voto em Alcolumbre, Renan tomou consciência de que seria mesmo derrotado e resolveu sair da disputa.

Qualquer que fosse o resultado da eleição, o processo ocorrido no Senado esgarçaria igualmente as relações do governo com o MDB; porém, a vitória de Alcolumbre fortaleceu o DEM e o ministro-chefe da Casa Civil, Onix Lorenzoni, que passaram a controlar o Senado. Ou seja, o presidente Jair Bolsonaro, embora tenha se declarado neutro, foi o grande vitorioso no embate. É uma situação muito diferente da Câmara, onde Rodrigo Maia (DEM-RJ) foi reconduzido pela terceira vez ao comando da Casa, com 334 votos, eleito no primeiro turno, numa votação secreta e muito tranquila — apesar da grande renovação que houve na Casa, que começa a legislatura em ambiente de entendimento, pacificada.

Nas entrelinhas: O cavalo do cão

 

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