Luiz Carlos Azedo: O amanhã

“A incerteza está na economia. Apesar da iminente aprovação da reforma da Previdência e de um robusto programa de concessões e privatizações, ainda não reagiu como deveria”.
Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

“A incerteza está na economia. Apesar da iminente aprovação da reforma da Previdência e de um robusto programa de concessões e privatizações, ainda não reagiu como deveria”

O conhecido samba-enredo da União da Ilha do Governador, campeão do carnaval carioca de 1978, que intitula a coluna, é de autoria de Paulo Amargoso e João Sérgio, nome desconhecido até da maioria dos sambistas, pois, na verdade, se trata do falecido procurador da República Gustavo Adolfo de Carvalho Baeta Neves, o Didi, também fundador da escola e autor de outros sambas antológicos. Não há carnaval em que suas músicas não sejam cantadas por foliões de todo o país. Naquele ano, na voz de Aroldo Melodia, O Amanhã empolgou as arquibancadas na Marquês de Sapucaí: A cigana leu o meu destino/ Eu sonhei/ Bola de cristal, jogo de búzios, cartomante/ Eu sempre perguntei/ O que será o amanhã?/ Como vai ser o meu destino?”

Era o primeiro desfile de regras rigorosas, o que gerou protestos do compositor mangueirense Angenor do Nascimento, o famoso Cartola: “Isso não é carnaval, é parada de militar”. Mas foi um desfile memorável, principalmente para a União da Ilha, cuja carnavalesca Maria Augusta não imaginava que o samba seria eternizado pelo gosto popular: “Já desfolhei o malmequer/ Primeiro amor de um menino/ E vai chegando o amanhecer/ Leio a mensagem zodiacal/ E o realejo diz/ Que eu serei feliz”. O refrão todo mundo canta até hoje: “Como será o amanhã/ Responda quem puder (bis)/ O que irá me acontecer/ O meu destino será como Deus quiser.”

Nem só de letra e melodia vive uma samba antológico, o contexto é fundamental para que o povo se identifique com a canção. O país vivia uma transição lenta e gradual, o projeto de Brasil potência dos militares havia naufragado. O general Ernesto Geisel amargava o fim do milagre econômico e muita insatisfação popular. A crise do petróleo e a recessão mundial interferiam fortemente na economia brasileira, os créditos e empréstimos internacionais minguavam. Nas eleições de 1974, o MDB havia conquistado 59% dos votos para o Senado, 48% da Câmara dos Deputados e a maioria das prefeituras das grandes cidades. Não havia eleição de prefeitos nas capitais.

Era um ambiente de incertezas. Logo depois do carnaval, eclodiram as greves operárias do ABC. No ano em que União da Ilha do Governador foi campeã, a oposição voltou a vencer as eleições, Geisel acabou com o AI-5, restaurou o habeas-corpus e abriu caminho para a volta da democracia, num processo de retirada em ordem dos militares da política que foi muito bem-sucedido. Era um momento de muitas incertezas e também de esperança. Mais ou menos como estamos vivendo agora, com sinal trocado, pois os militares voltaram ao poder com a eleição do presidente Jair Bolsonaro.

Embora o atual governo mal tenha completado 9 meses, ninguém sabe o que vai acontecer. Há uma tensão permanente entre as instituições. O presidente Bolsonaro protagoniza a radicalização política com uma retórica ultraconservadora. Entretanto, há um calendário e regras eleitorais claras, tudo vai desaguar nas eleições municipais do próximo ano e, depois, em 2022, quando teremos novas eleições gerais. Esse é o leito do processo político democrático. A incerteza maior está na economia. Apesar da iminente aprovação da reforma da Previdência e de um robusto programa de concessões e privatizações, a economia ainda não reagiu como deveria

Estagnação
A receita liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes, até agora, resultou num cenário de estagnação, com desindustrialização, altas taxas de desemprego e baixa atividade econômica, apesar da inflação baixíssima e da queda dos juros, que devem baixar ainda mais, para 4,5%, segundo previsões do mercado. A especificidade da economia brasileira não foi bem-equacionada pela equipe de Guedes, formada por especialistas financeiros e técnicos que conhecem bem as finanças públicas, mas não dão conta das relações do governo com o setor produtivo e têm ojeriza à política industrial.

No momento, o governo prepara uma emenda constitucional, chamada PEC Emergencial, com uma lista de medidas duras para serem adotadas por um prazo de dois anos. Não deve mexer no teto de gastos (que limita as despesas à inflação) e deve fazer um ajuste na chamada regra de ouro, mecanismo que impede que o governo faça dívidas para pagar despesas correntes, como salários. O governo também pretende, no próximo ano, aprovar outras mudanças, que chama de PEC DDD: desvincular (retirar os “carimbos”), desindexar (remover a necessidade de conceder automaticamente reajustes) e desobrigar o pagamento de despesas.

Muitos economistas têm dúvidas quanto ao êxito de Guedes, mas nem por isso o presidente Jair Bolsonaro tem um plano B para economia. Ele já disse que vai continuar com o Posto Ipiranga. É uma situação meio inédita, com o real desvalorizado frente ao dólar e a economia quase em deflação. Há sinais de que o modelo liberal clássico não dá conta do recado nesses novos tempos de globalização e revolução tecnológica, assim como havia fracassado o modelo desenvolvimentista social-democrata. No fundo, ao lado do rentismo, o não-trabalho e o não-emprego na nova economia aprofundam as desigualdades, reduzem nosso mercado interno e ampliam as demandas sociais, sem que o governo tenha recursos para cuidar dos mais pobres, investir na educação e e modernizar a infra-estrutura. No atual modelo, além do empreendedorismo, só o capital estrangeiro salva, mas ele ainda prefere outros destinos.

Nas entrelinhas: O amanhã

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