Luiz Carlos Azedo: Meia volta, volver

”A estratégia de “mitigaçao”, que servia de modelo, fracassou na Inglaterra. Bolsonaro começa a se dar conta de que aqui também não seria possível”.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

”A estratégia de “mitigaçao”, que servia de modelo, fracassou na Inglaterra. Bolsonaro começa a se dar conta de que aqui também não seria possível”

Não durou 24 horas a medida provisória do governo federal que autorizava os empresários a suspender o pagamento de salários de seus funcionários por quatro meses, sem quaisquer contrapartidas, o que provocou uma avalanche de críticas ao presidente Jair Bolsonaro. A saída foi reconsiderar a questão, cancelar a medida provisória e abrir negociações com os governadores, contra os quais Bolsonaro havia entrado em guerra por causa da adoção da política de distanciamento social. “Determinei a revogação do art.18 da MP 927, que permitia a suspensão do contrato de trabalho por até 4 meses sem salário”, escreveu Bolsonaro em uma rede social. Ficou evidente a falta de sintonia entre a equipe comandada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e a política de combate ao coronavírus adotada pelo ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.

Além da suspensão do contrato de trabalho e do salário, a MP estabelecia outras medidas: teletrabalho (trabalho a distância, como home office); regime especial de compensação de horas no futuro em caso de eventual interrupção da jornada de trabalho durante calamidade pública; suspensão de férias para trabalhadores da área de saúde e de serviços considerados essenciais; antecipação de férias individuais, com aviso ao trabalhador pelo menos 48 horas antes da concessão de férias coletivas; aproveitamento e antecipação de feriados; suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho; adiamento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Todas em razão das medidas adotadas para conter a progressão da epidemia e evitar o colapso do sistema de saúde.

A epidemia avança: o total de casos confirmados do coronavírus (Sars-Cov-2), ontem, subiu para 1.891, segundo balanço do Ministério da Saúde, com 34 mortes. O coordenador da campanha em São Paulo, o infectologista David Uip, uma das maiores autoridades médicas do país, no final da tarde confirmou o diagnóstico de que está com a doença. São Paulo concentra 60% dos casos de coronavírus em todo o país. Depois do recuo quanto à suspensão dos salários, Bolsonaro resolveu reduzir o estresse com os governadores, realizando uma teleconferência com todos os mandatários do Nordeste e, depois, do Norte do país. Essas reuniões ajudaram o presidente da República a se reposicionar, conforme ficou patente no final da tarde, ao anunciar as medidas numa entrevista coletiva do comitê de combate ao coronavírus, da qual se retirou antes das perguntas.

Antes deu uma notícia boa: um plano de R$ 85,8 bilhões para fortalecer os estados e os municípios. Serão editadas duas medidas provisórias para transferir recursos para fundos de saúde estaduais e municipais. Segundo o secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, o montante chega a R$ 88,2 bilhões, cujas principais medidas são: transferência de R$ 8 bilhões para gastos em saúde; recomposição de fundos de participação de estados e municípios, no valor de R$ 16 bilhões (seguro para queda de arrecadação); R$ 2 bilhões para gastos em assistencial social; suspensão das dívidas dos estados com a União (R$ 12,6 bilhões); renegociação de dívidas de estados e municípios com bancos (R$ 9,6 bilhões); operações com facilitação de créditos, no valor de R$ 40 bilhões. A suspensão do vencimento da dívida dos estados com a União reduziu o estresse de Bolsonaro com os governadores, pois os estados vão receber R$ 12,6 bilhões a mais em caixa para enfrentamento da crise.

Impacto social
Ontem, o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, mudou completamente a estratégia adotada pelo governo contra o coronavírus na Inglaterra. Anunciou que os britânicos só poderão se deslocar para ir ao trabalho, caso não possam realizá-lo remotamente, e para comprar itens essenciais ou para atender necessidades médicas próprias ou de pessoas vulneráveis. Serão fechadas todas as lojas que não vendam itens essenciais, assim como bibliotecas, playgrounds e locais de práticas religiosas, e todas as reuniões de mais de duas pessoas estão proibidas. A estratégia de “mitigaçao”, que servia de modelo para o governo brasileiro, fracassou na Inglaterra. Parece que Bolsonaro começa a se dar conta de que aqui também ela não seria possível.

É inevitável. A economia entrará em recessão com a política de isolamento social, em todo o mundo. Um dos efeitos imediatos será a perda de renda dos trabalhadores informais, microempreendedores e profissionais liberais; quem não tem poupança está no sal. Estamos falando de 70 milhões de pessoas. Outro, o impacto nas finanças dos estados e municípios (principalmente os que têm grande arrecadação de ISS e de impostos compartilhados com a União), que estão arcando com uma demanda exponencial no sistema de saúde, que ninguém sabe ainda qual será o tamanho.

Nas entrelinhas: Meia-volta, volver!

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