Temer tem votos suficientes para barrar a segunda denúncia da Lava-Jato na Câmara, mas está correndo risco de ter menos apoio do que na rejeição da primeira
O presidente Michel Temer adotou um sistema de marcação homem a homem para garantir a rejeição da segunda denúncia do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot pela Câmara, na qual é acusado, supostamente, de organização criminosa e obstrução de Justiça, com base na delação premiada do doleiro Lúcio Funaro. Ontem, quase 50 deputados foram recebidos oficialmente por Temer, em seu gabinete, em cerca de 20 audiências, depois de um fim de semana dedicado à discussão de sua estratégia de defesa.
Já não adianta terceirizar as negociações com os deputados da base do governo que negaceiam seu apoio, por diversos motivos, do não cumprimento de compromissos assumidos à ambição de ocupar mais espaços na Esplanada. Pelo Twitter, logo de manhã, Temer classificou a denúncia do ex-procurador Rodrigo Janot de “inepta e sem sentido” e anunciou que conversaria com os parlamentares da base para preservar “a harmonia entre os poderes”. Na verdade, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que foi seu esteio na rejeição da primeira denúncia, acendeu uma luz amarela no Palácio do Planalto ao se queixar da atuação da cúpula do PMDB e se defender das acusações de que está conspirando: disse que não teria o mesmo comportamento do PMDB, que articulou o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff quando Temer era o vice-presidente da República.
Na avaliação do Palácio do Planalto, Temer tem votos suficientes para barrar a segunda denúncia, mas está correndo risco de ter menos apoio do que na rejeição da primeira. O aval da Câmara para que o Supremo Tribunal Federal (STF) investigue o presidente da República depende do apoio de 342 dos 513 deputados, o que é muito difícil de alcançar. Entretanto, Temer não deixa de ser um animal ferido, o que provoca uma espécie de ataque de piranhas na própria base do governo, principalmente dos aliados que querem mais espaço na Esplanada.
A movimentação dos insatisfeitos fragiliza o ministro Antônio Imbassahy (PSDB-BA), da Secretaria de Governo, que teria a responsabilidade de articular a base do governo, mas perdeu autoridade porque o líder do PSDB, Ricardo Trípoli (SP), e praticamente todos os tucanos paulistas são a favor da aceitação da denúncia, que implicaria no afastamento de Temer do cargo por 180 dias. Nesse caso, Rodrigo Maia assumiria a Presidência.
Temer já conversou com uma dezena de deputados da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, responsável pela primeira etapa de análise da denúncia, que consiste na apreciação do parecer a ser elaborado pelo deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), recomendando o envio da acusação para o Supremo ou a suspensão do processo até a conclusão do mandato de Temer. A situação do relator é um capítulo à parte: o PSDB não quer que permaneça na função, mas não pode substituí-lo. Nesse caso, outro partido poderia indicá-lo para a comissão, a pedido do Palácio do Planalto.
A conciliação
O Senado é mesmo a Casa da “conciliação”: adiou para 17 de outubro a apreciação da suspensão do mandato do senador Aécio Neves (PSDB-MG) e, assim, evitou um confronto aberto com o Supremo Tribunal Federal (STF). Votaram a favor do adiamento 50 senadores; contra, 21. Os senadores Jader Barbalho (PMDB-PA) e Renan Calheiros (PMDB-AL) foram os “jacobinos” da sessão, mas não tiveram o apoio que esperavam. O líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR), também defendeu a realização da votação, porém, o líder da bancada do PMDB, Raimundo Lira (PB), consultou 21 dos 23 integrantes da bancada e concluiu que havia uma “maioria consistente” para aguardar o julgamento do STF.
O PSDB tentou sair da saia justa com um pedido de suspensão do afastamento de Aécio ao Supremo, mas o ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava-Jato, negou o pedido. Ao líder do PSDB, Paulo Bauer (SC), não restou outra alternativa a não ser defender a votação, mas a bancada acabou isolada. Aécio Neves, além de estar com o mandato suspenso, foi proibido de sair à noite e manter contato com outros investigados pela Operação Lava-Jato. A decisão foi tomada com base no Código de Processo Penal, por três dos cinco juízes da Primeira Turma do STF: Luís Barroso, Rosa Weber e Luís Fux. Marco Aurélio Mello, o relator, e Alexandre de Moraes votaram contra.
A Constituição determina que a prisão de senadores seja autorizada pelo Senado, o que criou um impasse. Para muitos senadores, “quem pode mais, pode menos”: o princípio Constitucional deve prevalecer sobre matéria penal. Mas a Constituição também determina a palavra final sobre matéria constitucional seja do Supremo. A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, marcou para 11 de outubro a sessão do Supremo que apreciará a questão. Ao adiar a decisão sobre o caso para 17 de outubro, o Senado evitou um confronto institucional. A possibilidade de o Supremo rever a decisão da Primeira Turma é grande.