Luiz Carlos Azedo: Falta combinar com os russos

“O folclore futebolístico tem tudo a ver com a situação da Venezuela. A ofensiva de Trump e Bolsonaro esbarrou na aliança de Maduro com o presidente russo Vladimir Putin”.
Foto: AFP
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“O folclore futebolístico tem tudo a ver com a situação da Venezuela. A ofensiva de Trump e Bolsonaro esbarrou na aliança de Maduro com o presidente russo Vladimir Putin”

Na Copa do Mundo de 1958, na Suécia, o técnico Vicente Feola, em preleção antológica, explicou na prancheta a tática para derrotar a seleção da antiga União Soviética: Nilton Santos lançaria a bola da esquerda do meio de campo para a direita do ataque, nos pés de Garrincha, que driblaria três adversários e cruzaria para Mazola cabecear na grande área. Com ingenuidade ou ironia, não se sabe, o anjo das pernas tortas perguntou: “Seu Feola, o senhor combinou com os russos?”

O folclore futebolístico tem tudo a ver com a situação atual da Venezuela. A ofensiva diplomática protagonizada pelo presidente norte-americano Donald Trump e pelo presidente Jair Bolsonaro contra Nicolás Maduro — que denunciou a autoproclamação do líder do Legislativo, Juan Guaidó, como presidente interino do país como um “golpe de Estado” –, esbarrou na resistência do ministro da Defesa venezuelano, Vladimir Padrino, ao lado da cúpula militar das Forças Armadas do seu país. Mas também na aliança de Maduro com o presidente russo Vladimir Putin, liderando uma coalizão de oito países, o que transformou a Venezuela no epicentro de uma disputa semelhante àquela que ocorre entre potências mundiais no Oriente Médio.

Além da Rússia, Cuba, México, Bolívia, Nicarágua, Turquia, China e Irã apoiam o regime chavista, enquanto Guaidó é reconhecido como presidente interino pelos seguintes países: Estados Unidos, Brasil, Argentina, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, Guatemala, Honduras, Panamá, Paraguai, Peru e Reino Unido. A União Europeia assumiu uma posição intermediária: a defesa da realização de eleições livres na Venezuela. A crise prossegue sob muita tensão, a qualquer momento pode haver emprego da força por parte dos militares contra a oposição, com o fechamento da Assembleia Nacional e prisão de Guaidó, além de outros líderes oposicionistas. Fala-se em divisão nas Forças Armadas, mas o pronunciamento sinaliza apoio da cúpula militar ao regime.

O presidente Nicolás Maduro, na verdade, é um fantoche da cúpula militar, que controla a maior parte do governo e praticamente todas as empresas estatais. Como o regime não tem mais nenhuma sustentação política da sociedade e a Assembleia Nacional tem mais respaldo popular do que o governo, vive-se uma situação de dualidade de poderes, que pode ter desdobramento trágico, porque o governo perdeu controle da economia, mas não o poder de coerção sobre a sociedade. A repressão política na Venezuela é muito violenta, protagonizada pela Guarda Nacional e pela milícia bolivariana armada, a tropa de choque de Maduro.

Intervenção
Os Estados Unidos solicitaram uma reunião do Conselho de Segurança da ONU para tratar do assunto, logo após o presidente Donald Trump falar que examina todas as possibilidades de intervenção na crise venezuelana, inclusive militar. Maduro ontem mandou fechar a embaixada da Venezuela nos EUA e vai expulsar os diplomatas norte=americanos, o que aumenta a escalada de tensão. Não foi à toa que o presidente em exercício Hamilton Mourão, ontem, descartou a participação do Brasil em qualquer intervenção militar. O envolvimento brasileiro na crise venezuelana é uma ruptura com a tradição do Itamaraty, que costuma operar nos bastidores para saídas negociadas durante as crises nos países vizinhos. Ontem, o Itamaraty anunciou que somente o chanceler Ernesto Araujo falará sobre o tema. O ministro defende o alinhamento automático com Trump e outros falcões da política internacional.

O apoio aberto da Rússia ao regime de Maduro, com quem tem intensa cooperação militar, não deve ser subestimado, embora a situação geopolítica da Venezuela seja completamente diferente da situação, por exemplo, da Síria, onde Putin conseguiu garantir a sobrevivência do regime de Bashar al-Assad, o ditador sírio que se recusou a deixar o poder e os ex-presidentes Bush e Obama tentaram derrubar. Hoje, os Estados Unidos estão se retirando da Síria e os russos continuam por lá, com sua base naval. Na Venezuela, não existe base militar da Rússia, apenas blindados e aviões de caça de fabricação russa.

Em termos militares, o Brasil tem as Forças Armadas mais numerosas da região, contando com 366 mil militares da Força Aérea, Marinha e Exército. A Venezuela fica um pouco atrás, com 365 mil efetivos. O México (267 mil) e a Colômbia (265 mil) seguem de perto; depois, vêm Argentina (79 mil), Peru (78 mil), Chile (67 mil), República Dominicana (58 mil), Equador (41 mil), Bolívia (34 mil), El Salvador (24 mil), Uruguai (22 mil), Guatemala (18 mil), Paraguai (16 mil) e Honduras (15 mil militares). Proporcionalmente, porém, a Venezuela fica no primeiro lugar da lista, com 118 militares por 100 mil habitantes. O Uruguai, fica em segundo, com 65. O Brasil tem apenas 18 militares por cada 100 mil habitantes. Trocando em miúdos, ninguém com juízo apostaria numa guerra com a Venezuela, nem Maduro está em condições de uma iniciativa dessa ordem, mesmo em relação à Guiana. Aí, sim, daria pretexto para uma intervenção militar dos Estados Unidos.

Nas entrelinhas: Falta combinar com os russos

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