“Bolsonaro faz tudo ao contrário. Depois de quebrar o isolamento e apertar as mãos de mais de duzentos manifestantes, disse que, se contrair o coronavírus, ninguém tem nada com isso”
Qualquer coisa para dar certo precisa do conceito correto, o método adequado e um ambiente favorável. O esforço para evitar que a pandemia de coronavírus se transforme numa tragédia social e em longa recessão não foge à regra. A externalidade mais negativa é a anunciada recessão da economia mundial, cujo impacto já está sendo sentindo no câmbio, com o dólar acima dos R$ 5, e a Bovespa despencando 14%, ontem. A pandemia de coronavírus já é uma realidade interna, pois a chamada “transmissão comunitária” começou em São Paulo e no Rio de Janeiro.
O crescimento da epidemia é exponencial: no balanço de ontem, o Ministério da Saúde confirmou a existência de 234 casos, sendo 152 em São Paulo, o estado mais populoso, mais rico e mais aparelhado; no Rio, são 31. A idade média dos infectados é 40 anos. O cenário de “transmissão comunitária” ocorre quando não se sabe quem foi o transmissor da doença. O Ministério da Saúde está trabalhando com o conceito correto para enfrentar a doença, como a maioria dos governadores e prefeitos, que estão tomando medidas para aumentar o distanciamento social e assim “achatar” a curva da epidemia, ou seja, fazer com que a propagação ocorra de forma mais lenta e seja interrompida.
Essa é a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), adotada com base nos casos asiáticos, sobretudo da China e da Coreia do Sul. No primeiro exemplo, houve tudo, por isso mesmo, os estudos mostram situações muito diferenciadas e não somente o caso dramático de Wuhan; no segundo, uma epidemia com a menor taxa de letalidade: 0,6%. Na Europa, as autoridades relutaram em adotar a estratégia de distanciamento social, mas o caso da Itália e a propagação da doença nos demais países fizeram com que a ficha caísse. Ontem, o presidente da França, Emmanuel Macron, em pronunciamento dramático e exemplar, conclamou os franceses a lutarem contra o coronavírus como quem vai à guerra.
Nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump corre atrás do prejuízo. Ontem, admitiu que ainda é impossível prever quanto tempo vai durar a crise do coronavírus e que os EUA podem caminhar para uma recessão por causa disso. O governo adotou novas recomendações para os próximos 15 dias, entre elas a de evitar qualquer tipo de reunião social com mais de 10 pessoas. Os governadores foram instruídos a fechar escolas em todas as áreas próximas a qualquer sinal de que uma comunidade tenha sido afetada por algum caso. Nesses locais, deverão ser fechados bares, restaurantes, praças de alimentação, academias e outros ambientes fechados onde haja reuniões de grupos. Trump pediu ainda que as pessoas estudem em casa, evitem viajar e comer fora.
Fator de risco
No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro faz tudo ao contrário. Depois de cumprimentar mais de 200 apoiadores e endossar as manifestações realizadas no domingo passado, em entrevistas, chegou a dizer que, se contrair o coronavírus, ninguém teria nada a ver com isso, que as pessoas não podem ser impedidas de ir às ruas, e por aí vai. Manteve o foco nos seus interesses políticos mais imediatos. Bolsonaro trabalha com o conceito errado. Ao contrário do que disse, a sociedade inteira tem a ver com o que o presidente da República fala e faz, não apenas seus apoiadores de extrema direita mais fanáticos. Cabe a Bolsonaro liderar o esforço do governo para conter o coronavírus.
Não é preciso entrar no mérito das razões subjetivas ou psicológicas que levam um presidente da República a tomar atitudes que não são pautadas pela racionalidade, o importante é identificar a razão da falta de foco na verdadeira solução dos problemas: Bolsonaro não acredita na ciência. Não há nenhuma questão nacional relevante na qual suas concepções ideológicas e religiosas não subordinem as evidências científicas. A situação somente não é mais grave porque o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, vem fazendo a coisa certa. Um alento, porém, foram as medidas anunciadas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes: serão empregados R$ 147,3 bilhões em medidas emergenciais para socorrer setores da economia e grupos de cidadãos mais vulneráveis, além de evitar a alta do desemprego.