“Os dois grandes eixos de discussão no Congresso são o apoio às reformas, principalmente a da Previdência, e o fortalecimento da Câmara e do Senado”
As articulações para ocupação de espaços nas Mesas do Congresso e nas comissões permanentes da Câmara e do Senado já estão em pleno andamento. Há políticos veteranos que sobreviveram ao tsunami eleitoral, novatos que nunca exerceram um mandato e alguns que estão voltando ao Congresso ou participavam de legislativos estaduais e municipais. Nenhum dos 513 deputados e 81 senadores é bobo. Não existe essa categoria no parlamento, como dizia Ulysses Guimarães. Os dois grandes eixos de discussão no Congresso são o apoio às reformas que serão encaminhadas pelo governo, principalmente a da Previdência; e o fortalecimento da Câmara e do Senado, que vêm de eleições nas quais ficou patente o descolamento de ambos da sociedade. A relação dos políticos com o Executivo e o Judiciário será balizada pela eleição das Mesas da Câmara e do Senado.
Vamos às reformas. São quatro as mais importantes, mas a da Previdência é uma espécie de Rubicão para o governo Bolsonaro, sem a qual a economia não deslanchará. A dificuldade do governo não é de natureza técnica, a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, sabe o que precisa fazer. O problema é político. A base governista é muito heterogênea e foi articulada a partir de frentes parlamentares com interesses específicos, como as do agronegócio, dos evangélicos e da bala. É mais fácil atrair setores da oposição para a reforma da Previdência, por exemplo, do que a bancada da bala, formada majoritariamente por policiais e militares que não querem abrir mão de seus privilégios. Além disso, a alta burocracia está mobilizada e faz um lobby poderoso, encabeçado por magistrados e procuradores.
A segunda reforma mais importante e difícil é a tributária. A resistência é inercial, alguém já disse que imposto bom é imposto velho. Mas a carga tributária e a burocracia são brutais, como sustenta o presidente Jair Bolsonaro. Com a tecnologia ficou muito fácil arrecadar, mas cada vez mais difícil, financeiramente, pagar. Há um clamor na sociedade, principalmente na economia formal, a favor da redução de impostos. Talvez seja a reforma mais popular entre agentes econômicos, principalmente empreendedores e assalariados. O problema é o pacto federativo, entre a União, que arrecada muito mais e gasta muito pior, e os estados e municípios, os entes federados. O nó górdio da reforma é o Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS), arrecadado na origem; a maioria dos estados quer que seja recolhido no destino, como já acontece com o combustível, mas os estados produtores são muito mais poderosos do que os consumidores. O governo não sabe ainda como desatar esse nó.
Casa de enforcado
A questão do combate à corrupção e à criminalidade é a terceira reforma, cuja formulação está a cargo do ministro da Justiça, Sérgio Moro. A Lava-Jato teve um papel decisivo na eleição, mas também é um trauma para políticos, principalmente os que sobreviveram. Endurecer ainda mais o jogo em relação ao caixa dois eleitoral e à improbidade administrativa é como falar de corda em casa de enforcado, no caso, o Congresso. E, depois do caso Queiroz, o senador Flávio Bolsonaro(PSL-RJ) é primeiro da fila do cadafalso. Mas, em contrapartida, o endurecimento das penas para crimes como latrocínio, feminicídio e tráfico de drogas é barbada. Soa como música para a maioria dos parlamentares, que também não são tão resistentes à flexibilização do porte de armas, tema favorito da chamada Bancada da Bala e do próprio presidente da República.
A quarta questão, na verdade, é uma contrarreforma. Trata-se da questão dos costumes e do Estado laico, em torno da qual se dará um grande embate entre os setores conservadores que serviram de vanguarda para a campanha de Bolsonaro e as forças derrotadas na eleição, que buscam refúgio nessa pauta. É uma agenda que envolve a questão dos direitos humanos e dos direitos civis, em conexão direta com o mundo da cultura e da educação. Embora sejam temas que não tratam diretamente das relações de poder entre os políticos, essa agenda é a que tem mais conexão com a sociedade civil e suas agências, com forte repercussão no Congresso. Outra agenda emergente é a ambiental, em evidência novamente por causa da tragédia de Brumadinho (MG). É uma agenda de resistência, que tem muito a ver com a centralidade econômica da produção de commodities de minérios e agrícolas, hoje o polo mais dinâmico da nossa economia.