Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Num encontro promovido pelo banco BTG Pactual para operadores do mercado financeiro, ontem, o governador de São Paulo, João Doria, pela primeira vez, admitiu que pode desistir de concorrer à Presidência da República, em razão da alta rejeição e do fraco desempenho nas pesquisas. “Não vou colocar o meu projeto pessoal à frente daquilo que sempre foi a índole. Se chegar lá adiante e, lá adiante, eu tiver de oferecer o meu apoio para que o Brasil não tenha mais essa triste dicotomia do pesadelo de ter Lula e Bolsonaro, eu estarei ao lado daquele ou de quantos forem os que serão capacitados para oferecer uma condição melhor para o Brasil”, disse.
A declaração de Doria foi comemorada por gregos e baianos, uma vez que seus aliados estão aflitos com o mau desempenho do governador paulista na pré-campanha, e os desafetos tucanos ainda sonham com a candidatura do governador gaúcho, Eduardo Leite, que perdeu as prévias para Doria. A declaração dele abriu a possibilidade de um acordo com os demais candidatos da chamada terceira via, entre os quais Simone Tebet (MDB) e Alessandro Vieira (Cidadania), que já vinham debatendo a possibilidade de uma candidatura unificada desse campo.
As pesquisas estão mostrando que Doria corre o risco de repetir a trajetória do ex-governador Orestes Quércia em 1994, quando concorreu à Presidência pelo então PMDB. Campeão de votos da legenda desde as eleições de 1974, Quércia tinha um grande acervo de realizações como governador paulista, principalmente obras de infraestrutura, e acreditava que sua administração poderia projetá-lo nacionalmente. Não foi o que aconteceu. Quercia acabou cristianizado pelos caciques do seu partido.
O governador de São Paulo também faz uma administração considerada eficiente por seus apoiadores, conclui a gestão com grande capacidade de investimentos e concedendo aumento salarial para o funcionalismo, mas nada disso alavanca sua candidatura no estado. Seu vice-governador, Rodrigo Garcia, principal responsável pela articulação política do governo, também não tem um bom desempenho nas pesquisas. Por essa razão, seus aliados pressionam Doria para que antecipe a saída do Palácio dos Bandeirantes, abrindo espaço para maior projeção do vice-governador, o candidato que escolheu.
Esse movimento, porém, tem cheiro de cristianização e pode virar um tiro pela culatra. A declaração de ontem é um sinal de que Doria pode concorrer à reeleição. Uma das razões do tucano para desistir da candidatura é a resiliência de Bolsonaro numa fatia expressiva do eleitorado paulista, que está alavancando o nome do ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, ao governo de São Paulo.
Doria se elegeu cristianizando Geraldo Alckmin, quando o tucano foi candidato à Presidência da República, seu padrinho político, num caso típico de criatura que rompe com o criador. Agora, o ex-governador paulista dá o troco, ao fazer uma aliança com o ex-presidente Luiz Inácio lula da Silva, do PT, para ser seu vice. Além de Alckmin, outras lideranças do PSDB romperam com Doria, entre as quais Aloysio Nunes Ferreira e José Aníbal. A desistência, em tese, abriria espaço para uma recomposição.
A declaração de Doria, porém, pode ser apenas uma manobra tática para conter as dissidências da legenda, principalmente a saída de Eduardo Leite do PSDB, para ser candidato a presidente da República pelo PSD, de Gilberto Kassab. As negociações entre ambos estão muito avançadas e a consumação da mudança de legenda pode ser um golpe mortal na candidatura de Doria.
Terceira via
Quem está com o mico na mão é o Cidadania, que aprovou a federação com o PSDB por apenas um voto, mesmo sabendo que Doria estava se inviabilizando. O líder da bancada na Câmara, Alex Manente (SP), articula o nome da senadora Eliziane Gama (MA) para vice de Doria, mas a direção nacional da legenda manteve a candidatura do senador Alessandro Vieira (SE) à Presidência. Importantes lideranças do Cidadania consideram a federação com o PSDB um abraço de afogados e já admitem abandonar o partido na janela partidária, como fez o governador da Paraíba, João Azevedo, que voltou para o PSB.
A disposição de Doria em colaborar para unificar o campo da terceira via, porém, renovou as esperanças de que se chegue a um nome de consenso entre essas forças. Além de Leite, Simone e Alessandro, o ex-juiz Sergio Moro (Podemos) e o ex-governador Ciro Gomes (PDT), que estão em melhor situação nas pesquisas, também pleiteiam essa condição, mas esbarram em dificuldades por causa de suas relações pregressas com Bolsonaro e Lula, respectivamente. Um é considerado muito à direita; o outro, muito à esquerda. Isso dificulta união do chamado centro político. O projeto de Doria era esse, a partir de seu posicionamento estratégico mais ao centro, mas falta combinar com os eleitores.