Jungmann tem a seu favor a confiança de Temer, boas relações com as Forças Armadas e trânsito junto aos governadores aos quais socorreu nas crises de violência mais problemáticas
Raul Jungmann assumiu o Ministério da Segurança Pública e logo demitiu o diretor da Polícia Federal, Fernando Segóvia. Foi uma demonstração de força, antes que se organizassem resistências às mudanças decorrentes da criação da pasta. Segóvia já estava no pelourinho, por sua atuação desastrada, mas ninguém esperava uma medida tão imediata e de tamanho impacto na estrutura que pretende comandar como ministro extraordinário. O demitido despachava diretamente com o presidente Michel Temer e tem amplo relacionamento político, principalmente junto à cúpula do Senado.
Vários problemas foram resolvidos com a canetada: primeiro, Jungmann assegurou o monopólio da interlocução com Temer; segundo, apaziguou a relação da PF com o ministro Luís Barroso, do Supremo Tribunal Federal, relator de inquérito que investiga o presidente da República; terceiro, limpou a área com a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que andava indignada com o diretor da PF por causa das tentativas de monitorar as investigações da Operação Lava-Jato; quarto, aproximou a nova pasta do ministro da Justiça, Torquato Jardim, ao nomear para o lugar de Segóvia o delegado Rogério Garollo, que o assessorava como secretário de Justiça; finalmente, acenou para os delegados da PF que a autonomia na condução das investigações não sofrerá interferência.
Segóvia era um fio desencapado, em quatro meses no cargo abriu várias frentes de conflito. Por ser relacionado com a cúpula do MDB, se movimentou com açodamento na política, o que foi seu maior erro. Sua intenção era mostrar serviço para o Palácio do Planalto, mas acabou virando uma presença incômoda na equipe do governo, como é comum acontecer quando o sujeito começa a ser chamado de macaco em casa de louças. Quando Jungmann tomou posse, a demissão já havia sido decidida. Temer estava sendo responsabilizado pelas ações de Segóvia.
Garollo era o candidato do ex-diretor-geral da Polícia Federal Leandro Daiello à sua própria sucessão. Apesar do apoio do ministro Torquato Jardim, teve a nomeação barrada pela cúpula do MDB, que via em Segóvia um delegado amigo e capaz de dar um freio de arrumação na Operação Lava-Jato. Garollo atuou no Comitê Executivo da Interpol, foi adido em Washington, diretor-executivo, diretor de Administração e Logística, superintendente em Goiás, além de chefe-adjunto em Pernambuco e da Divisão de Passaportes. Também chefiou o grupo de inteligência policial e fiscalização de drogas do estado de São Paulo, o que está em sintonia com a nova prioridade do governo.
A missão
A canetada de Jungmann pode ser comparada a uma tacada de golfe: olhar a trajetória da bola não vai modificar o seu curso. A direção do vento, os acidentes do terreno, a distância a percorrer, o ângulo de sua trajetória inicial, a velocidade, tudo isso tem de ser levado em conta antes da batida do taco na bola. A troca de comando na Polícia Federal determinará o sucesso de sua gestão à frente da nova pasta. Se escolheu a pessoa errada, não terá a menor chance de sucesso, porque o tempo é muito curto e uma nova mudança seria a confissão de fracasso.
Jungmann tem a seu favor a confiança de Temer, boas relações com as Forças Armadas e trânsito junto aos governadores aos quais socorreu nas crises de violência mais problemáticas. Transita bem no Congresso, o que facilitará a aprovação da medida provisória que criou o ministério. Mas não terá vida fácil, seja por causa da complexidade do problema, que exige um ataque eficaz às suas causas, seja devido à oposição, que assumiu a bandeira dos direitos humanos e acusa o governo de golpista e autoritário.
Ontem, seu discurso de posse incendiou os debates nas redes sociais, com esta afirmação polêmica: “Pela frouxidão dos costumes, pela ausência de valores, pela ausência de capacidade de entender o que é lícito e ilícito, passam a consumir drogas. Impressiona-me no Rio de Janeiro, onde vejo as pessoas durante o dia clamarem pela segurança contra o crime. E estão corretas. E, à noite, financiarem esse crime pelo consumo de drogas. Não é possível! São pontas que muitas vezes se ligam e precisam de estratégias diversas para serem devidamente combatidas”.
Dois debates vão esquentar na esteira das ações federais. Um deles é a legalização da produção, comercialização e consumo de maconha, como já acontece em outros países; outro, a legalização do aborto, que tem impacto direto e comprovado nos indicadores de violência e criminalidade, como ocorreu em Nova York. Os políticos, porém, se recusam a enfrentar as duas questões, que são muito polêmicas.