Bolsonaro transferiu para o Congresso a criação do Renda Brasil, e a desindexação das aposentadorias, ampliando o conflito entre a base do governo e a equipe econômica
O governo parece biruta de aeroporto. Um dia após o presidente Jair Bolsonaro declarar que não pretende mexer com o Bolsa Família e outros programas de transferência de renda para as populações mais pobres antes de 2022, cancelando o projeto de programa Renda Brasil, o relator do Orçamento da União, senador Marcio Bittar (MDB-AC), anunciou que foi autorizado pelo presidente da República a incluir no seu relatório um novo programa social, para auxiliar a população de baixa renda, após o fim do auxílio emergencial.
Disse Bittar: “Tomei café da manhã com o presidente da República. Antes do almoço conversamos mais um pouco, e eu fui solicitar ao presidente, se ele me autorizava a colocar dentro do Orçamento a criação de um programa social que possa atender a milhões de brasileiros que foram identificados ao longo da pandemia e que estavam fora de qualquer programa social. O presidente me autorizou”. O secretário de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, cuja cabeça está a prêmio por ter anunciado o congelamento das aposentadorias por dois anos para financiar o programa, continua no cargo, depois de receber “cartão vermelho”de Bolsonaro.
Traduzindo a conversa com Bittar, o presidente Bolsonaro transferiu para o Congresso a responsabilidade pela criação do Renda Brasil, ampliando o conflito entre as lideranças da base do governo e a equipe econômica. O problema central continua existindo: a falta de recursos para criar o novo programa sem inviabilizar o funcionamento da administração federal. O pulo do gato para isso é a chamada desindexação, palavra mágica para acabar com os reajustes automáticos de despesas decorrentes da inflação oficial. Isso significa congelar ou reduzir o valor real de todos os programas que estão vinculados ao salário mínimo, o caso das aposentadorias e o do Benefício de Prestação Continuada (o salário mínimo destinado aos idosos sem nenhuma fonte de renda) para criar um novo programa que sirva de bandeira para a reeleição de Bolsonaro, no lugar do Bolsa Família.
Tudo indica que estamos caminhando para um orçamento de fantasia, no qual a estimativa de arrecadação é aumentada e a projeção da inflação, reduzida, para permitir um encontro de contas artificial entre receitas e despesas. No Congresso Nacional, não será a primeira vez que isso pode acontecer, mas é uma contradição com tudo o que Paulo Guedes anunciou até agora e uma ameaça à manutenção do chamado “Teto de Gastos”. Depois da conversa com Bolsonaro, o relator do Orçamento se recusou a “especular” sobre a origem dos recursos para viabilizar o novo programa, mas prometeu apresentar um relatório na próxima semana com a essa definição do novo programa.
Bolsonaro também participou de um almoço com a bancada evangélica, organizada pelo deputado Fábio Ramalho (MDB-MG), no qual se discutiu a derrubada do veto presidencial à anistia das dividas das igrejas evangélicas com a Receita Federal, aprovada pelo Congresso. Bolsonaro vetou a emenda aprovada com o argumento de que era inconstitucional e que poderia ser punido por irresponsabilidade fiscal se não agisse dessa forma. Mas recomendou a seus aliados no Congresso que derrubassem o veto, o que reiterou duramente esse encontro.
Saúde
Entretanto, o evento mais concorrido do Palácio do Planalto, ontem, foi a posse do ministro Eduardo Pazuello como titular do Ministério da Saúde, depois de quatro meses de interinidade. Foi um oba-oba, no qual o presidente Bolsonoro reiterou tudo o que já disse sobre a pandemia, fez apologia da hidroxicloroquina, criticou prefeitos e governadores por causa do isolamento social, condenou o fechamento das escolas e encheu a bola do ministro, convidando-o para saltar de pára-quedas no Lago Paranoá. Pazuello fez um balanço baluartista de sua própria atuação à frente do ministério, mas destacou o papel do SUS e a atuação do pessoal da saúde na linha de frente do combate à pandemia. Disse que a pandemia está em declínio, principalmente no Norte e no Nordeste.
Pazuello entrou na pasta em meados de abril. “Literalmente, tivemos que trocar a roda do carro andando. A responsabilidade era enorme e tivemos a liberdade total para implementarmos as medidas que eram necessárias”, disse. O ministro destacou “a solidariedade de todo o povo brasileiro, mostrando o valor de nossa nação, onde empresários, cidadãos e entidades das mais diversas se mobilizaram e continuam mobilizados na certeza de que, juntos, estamos vencendo essa guerra”. O general assumiu o ministério depois da saída do ministro Nelson Teich, que substituiu Luiz Henrique Mandetta e teve uma passagem relâmpago pela pasta. Na ocasião, o Brasil contabilizava 14 mil mortes; hoje, são 133,3 mil. A média móvel de mortes nas últimas semanas, porém, caiu para 813 mortos/dia nas duas últimas semanas, e 31.311 novos casos no mesmo período.