Luiz Carlos Azedo: Aloprados e hackers

“Uma coisa é revelar informações comprometedoras de autoridades preservando o sigilo da fonte, um direito constitucional dos jornalistas; outra, financiar o roubo de informações privadas, o que é crime”.
Foto: El País/AFP
Foto: El País/AFP

“Uma coisa é revelar informações comprometedoras de autoridades preservando o sigilo da fonte, um direito constitucional dos jornalistas; outra, financiar o roubo de informações privadas, o que é crime”

Preso pela Polícia Federal, Walter Delgatti Neto, o principal acusado de hackear os telefones do ministro da Justiça, Sérgio Moro e de outras autoridades, assumiu em depoimento ser a fonte das mensagens publicadas pelo site Intercept, do jornalista americano radicado no Brasil Glenn Greenwald, e também pelo jornal Folha de S. Paulo e pela revista Veja. Delgatti disse que encaminhou o material a Greenwald de modo anônimo, voluntário e sem recompensa financeira. O jornalista confirmou a informação “nova e verdadeira”.

A Folha revelou que os contatos do hacker com o americano “foram virtuais, somente pelo aplicativo de conversas Telegram, e ocorreram depois que os ataques aos celulares das autoridades já tinham sido efetuados”. Mais de mil pessoas tiveram seus celulares invadidos pelos hackers, entre as quais os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ); do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP); do Superior Tribunal de Justiça, ministro João Otávio de Noronha; além da procuradora-geral da República, Raquel Dodge. O ministro Sérgio Moro pretende identificar e comunicar a ocorrência às centenas de vítimas de invasões de celulares.

Até celulares do presidente da República foram alvo dos hackers presos pela Polícia Federal, mas Jair Bolsonaro minimizou o fato, com o argumento de que não conversa assuntos sigilosos de Estado pelo celular e não tem nada a temer. Furou o balão que estava sendo inflado no Palácio do Planalto, de que haveria uma conspiração para desestabilizar o governo e afastar Bolsonaro do poder. Já havia até quem defendesse o enquadramento dos hackers na Lei de Segurança Nacional por ato terrorista, o que seria um grave precedente do ponto de vista institucional. Para esses setores, os quatro hackers presos em São Paulo não invadiram os celulares de autoridades e até jornalistas por conta própria, estavam a serviço de um grupo político e de grandes empresas.

Não se pode descartar essa possibilidade, porque realmente há muitos interessados em desmoralizar e/ou contingenciar a Operação Lava-Jato e o ministro Sérgio Moro. Mas é precipitado chegar a essa conclusão sem provas cabais dessas ligações, inclusive financeiras. Se existirem, é óbvio que a Polícia Federal e o juiz federal que comanda as investigações farão a denúncia formal, e os envolvidos terão de arcar com as consequências legais. Até agora, as investigações mostram que o grupo atuava de forma organizada e criminosa, e inclusive já tinha antecedentes criminais, mas essas relações não foram comprovadas.

Existe um mercado negro de informações roubadas pela internet. Hackers são contratados para bisbilhotar a vida alheia e vazar informações comprometedoras por todo tipo de gente, de marido traído a candidatos em dificuldades eleitorais, de velhos estelionatários a chantagistas de celebridades. A experiência da Polícia Federal nesse campo de investigação é grande, dispõe de equipe altamente especializada, recursos tecnológicos e uma gama de crimes cibernéticos já elucidados. Não foi à toa que rapidamente chegou aos quatro envolvidos. Mas trata-se de uma investigação criminal e não de uma investigação política, esse deve ser o divisor de águas.

Lava-Jato

O caso, porém, tem evidente dimensão política, que envolve a revelação dos métodos de atuação da força-tarefa da Lava-Jato e a liberdade de imprensa. A mesma investigação que prendeu os hackers confirma a veracidade dos conteúdos vazados, de um lado; e mostra uma relação perigosa entre os investigados e o jornalista Greenwald, de outro. Uma coisa é revelar informações comprometedoras de autoridades preservando o sigilo da fonte, um direito constitucional dos jornalistas; outra, financiar o roubo de informações privadas, o que é crime. Essa é a fronteira que não pode ser atravessada.

Houve uma evidente ofensiva de setores da oposição e do mundo jurídico contra o uso de métodos heterodoxos de investigação pela força-tarefa da Operação Lava-Jato, assunto que hoje está na esfera de decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), como é caso do acesso a informações do Coaf sem prévia autorização judicial. O PT e outros partidos de oposição também apostaram no desgaste da Lava-Jato, vislumbrando a anulação das condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com argumento de que as conversas do então juiz federal Sérgio Moro com os procuradores da Lava-Jato desnudaram um processo de perseguição política. Agora, porém, o vento virou com a prisão dos hackers. Se houve ligações financeiras entre eles e o PT, teremos outro caso dos aloprados. Até agora, porém, isso não se comprovou.

Nas entrelinhas: Aloprados e hackers

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