Luiz Carlos Azedo: A volta ao leito natural

O cenário mostra recuperação dos partidos de centro e um enfraquecimento da polarização direita versus esquerda. Isso pode se repetir no segundo turno.
Foto: José Cruz/Agência Brasil
Foto: José Cruz/Agência Brasil

O cenário mostra recuperação dos partidos de centro e um enfraquecimento da polarização direita versus esquerda. Isso pode se repetir no segundo turno

Na elite brasileira, existe muito desprezo em relação à política municipalista, rivaliza com o preconceito em relação a Brasília. Duas causas destacam-se: (1) o fato de que sempre haverá políticos espertalhões, falsos moralistas e corruptos, imortalizados pelo prefeito Odorico Paraguaçu, genial personagem de Dias Gomes, interpretado por Paulo Gracindo, ainda hoje lembrado, mas em razão da política nacional; 2) o velho positivismo, que atribui à União a tutela da nação, como se o povo fosse incapaz de se autogovernar, quando o contrário acontece na maioria dos municípios brasileiros, apesar da crescente centralização política do governo federal, embora a Constituição de 1988 tenha dado aos municípios o status de entes federados.

Os indicadores mostram que os municípios gastam mais e melhor do que os governos estaduais e a União, em termos de investimentos públicos e prestação de serviços básicos, principalmente, nas áreas da saúde e da educação. Nesse aspecto, as eleições municipais têm colaborado para que essa tendência se afirme cada vez mais, em termos de qualidade da gestão e do gasto público, entre outras coisas, por causa da Lei de Responsabilidade Fiscal. Além disso, a alternância de poder e a continuidade administrativa, como deve ser na democracia, funcionam como um mecanismo de peso e contrapeso bastante eficiente, tanto nas metrópoles quanto no Brasil mais profundo. A nota negativa é o aumento da violência nas áreas de expansão da atuação das milícias, no Rio de Janeiro e nas periferias de outras metrópoles; e nas regiões de fronteira agrícola, principalmente no norte do país, nas quais grileiros, madeireiros, garimpeiros e pecuaristas truculentos tentam tomar o poder político dos municípios onde atuam.

Nas capitais, cinco candidatos estão com chances de vencer as eleições no primeiro turno: Bruno Reis (DEM), em Salvador; Gean Loureiro (DEM), Florianópolis; Rafael Grega (DEM), Curitiba; Alexandre Kalil (PSD), Belo Horizonte; e Marquinhos Trad (PSD), Campo Grande. São os exemplos de continuidade administrativa, seja porque vão para o segundo mandato, seja porque houve transferência de votos de gestores bem-sucedidos. Nessa linha, destaca-se o candidato do PSDB em São Paulo, Bruno Covas, que lidera a disputa com folga e pode surpreender com uma vitória de primeiro turno.

Partidos
Na maioria das capitais e cidades com mais de 200 mil habitantes, a política voltou ao leito natural, sem muitas candidaturas disruptivas, ao contrário do que ocorreu em 2016 e 2018. Era de se esperar, se levarmos em conta que as eleições municipais existem desde o período colonial, mais precisamente, da criação da comarca de São Vicente (SP), em 1534. A tradição do voto uninominal vem daí, o que explica a resiliência dos partidos. Nosso sistema proporcional uninominal foi idealizado por Assis Brasil e adotado na redemocratização de 1945, com objetivo de canalizar para os partidos a tradição de votar nas pessoas. Nesse aspecto, o fim das coligações proporcionais ajudará a fortalecer e dar mais identidade às legendas que sobreviverem à cláusula de barreira em 2022.

No universo das capitais e municípios com mais de 200 mil eleitores, neste primeiro turno, segundo levantamento do site Poder360, grandes partidos despontam como líderes isolados em muitas cidades: PSDB (15), PSD (8), DEM (7), MDB e PT (6), PP e Podemos (5 cada), PDT (3), PSB, SD e Pros (2 cada), Cidadania, PL, PTN, PCdoB e PSol (1 cada). Além disso, em outras cidades, disputam a liderança: MDB (9), PT (6), PP (5), PSD (4), Cidadania e Republicanos (3 cada), DEM e Pros (2), PDT, SD, PL, PTB, Rede, PSL e DC (1 cada).

Esse cenário mostra recuperação dos partidos de centro e um enfraquecimento da polarização direita versus esquerda. Isso pode se repetir no segundo turno, mas não significa que será a tendência das eleições de 2022, embora o protagonismo do presidente Jair Bolsonaro e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha sido reduzido e/ou até negativo no pleito deste ano. Diante da mudança de conjuntura internacional, com a eleição do democrata Joe Biden, e das grandes dificuldades econômicas que o governo enfrenta, o cenário eleitoral — a se confirmar no segundo turno — aponta para uma reestruturação do quadro partidário, forçada pela cláusula de barreira, e uma disputa aberta pela Presidência, na qual Bolsonaro continua sendo o favorito, mas terá dificuldades para se reeleger, correndo risco de virar um Trump dos trópicos.

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