A saída de Jucá da liderança sinaliza descolamento do governo Temer da poderosa bancada de senadores do PMDB, que pode diminuir de tamanho nas eleições deste ano
O senador Romero Jucá (MDB-RR) anunciou sua saída da liderança do governo no Senado, o que é um fato extraordinário, em se tratando de um parlamentar que se notabilizou por servir a todos os governos e só deixar o cargo contra a própria vontade, a pedido do presidente da República. Alegou não concordar com a forma como o Palácio do Planalto tem conduzido a crise dos imigrantes venezuelanos em Roraima. Jucá bateu em retirada defendendo o fechamento da fronteira do Brasil com a Venezuela, o que seria uma inconstitucionalidade. Foi uma jogada política para evitar uma derrota eleitoral acachapante.
Ex-interventor federal em Roraima no governo de José Sarney, embora seja pernambucano de origem, Jucá é o político mais importante da história do estado. Roraima somente adquiriu esse status com a promulgação da Constituição de 1988, ocasião em que se tornou seu primeiro governador. O antigo território federal de Rio Branco (criado em 1943, por causa da II Guerra Mundial) faz parte do Brasil desde a construção do Forte de São Joaquim, em 1778.
Graças à localização na confluência do rio Uraricoiera com o rio Tacutu, que formam o Rio Branco, a fortificação (que não existe mais) impediu que espanhóis, ingleses e neerlandeses se apossassem do território. No extremo Norte da Amazônia, faz fronteira com a Venezuela e a Guiana. Roraima tem enfrentado dificuldades para lidar com o volume de estrangeiros que deixam a Venezuela para fugir da crise econômica e social.
Presidente do PMDB, sua saída do governo Temer sinaliza um processo muito mais amplo de descolamento do partido do Palácio do Planalto, principalmente no Senado, onde a poderosa bancada de senadores pode diminuir bastante de tamanho. O ex-presidente do senado Renan Calheiros (AL) e o atual presidente da Casa, Eunício de Oliveira (CE), que também disputam a reeleição, já estão aliados ao PT.
Com 25% das intenções de voto na mais recente pesquisa do Ibope, Jucá está tecnicamente empatado com Ângela Portela (PDT), com 30%, e Mecias de Jesus (PRB), que aparece com 26%. Ambos defendem o fechamento da fronteira, juntamente à governadora Sueli Campos (PP). Na carta entregue pessoalmente ao presidente Temer, o senador nega um rompimento com Temer, mas diz que discorda “da forma como o governo federal está tratando a questão dos venezuelanos em Roraima”.
“O governo disse que é inegociável fechar a fronteira sob qualquer ponto de vista, e eu entendo que sem o fechamento da fronteira para organizar o trabalho, o assunto só vai agudizar”, justificou depois, em entrevista coletiva. Além do fechamento provisório da fronteira com a Venezuela, Jucá defende a fixação de cotas para imigrantes e a criação de um corredor humanitário para levá-los para outros estados. Com essas bandeiras, acredita que pode neutralizar o desgaste político e evitar a derrota eleitoral. Sem o mandato de senador, corre sério risco de ser julgado pelo juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, o grande temor dos políticos sem mandato.
A borrasca
As pesquisas estão mostrando que o MDB corre risco de reduzir a atual bancada no Senado de 16 senadores para nove. Além de Renan e Eunício, têm possibilidades de reeleição Roberto Requião (PR), Jader Barbalho (PA), Edison Lobão (MA) e Eduardo Braga (AM) e Jarbas Vasconcelos (PE), que hoje é deputado federal, todos em aliança com o PT, apesar de o MDB ter lançado a candidatura do ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles. Jucá e Garibaldi Filho (RN) estão em dificuldades eleitorais.
O controle do Senado sempre foi o maior trunfo do MDB, porque a Casa tem muito poder e cada senador, grande visibilidade, por dispor de acesso pleno à tribuna da Casa e à TV Senado, além de grande número de assessores. Compete ao Senado processar o presidente e o vice-presidente da República nos crimes de responsabilidade e outras autoridades federais civis e militares; e aceitar ou não a nomeação de ministros de tribunais superiores e do Tribunal de Contas; presidente e diretores do Banco Central; o procurador-geral da República e embaixadores, além de autorizar operações financeiras de interesse da União, dos estados, do Distrito Federal e municípios.
Apesar de ter muito tempo de televisão (1m55s de programa eleitoral e 151 inserções diárias), Meirelles já está sendo “cristianizado” pelos caciques peemedebistas do Senado. Nas eleições regionais, o MDB disputa para valer os estados de São Paulo, com Paulo Skaf; Santa Catarina, com Mauro Mariani; Rio Grande do Sul, José Ivo Sartori; Alagoas, Renan Filho; Pará, Helder Barbalho; e Paraíba; Zé Maranhão. Se esses resultados se confirmarem, a legenda poderá manter sua representação na Câmara, mas não necessariamente no Senado, por causa das alianças locais.
O desembarque do governo Temer, que continua registrando baixos índices de aprovação, já era esperado, uma vez que a sobrevivência dos caciques regionais da legenda segue a Lei de Murici: cada um cuida de si. Foi o que sinalizou o presidente do MDB, Romero Jucá, ao deixar a liderança do governo no Senado para tentar salvar a própria pele. A máxima do coronel Tamarindo, na terceira campanha de Canudos, entrou para a história do Brasil como símbolo de um grande desastre militar, que resultou no esquartejamento do próprio e do seu comandante, o sanguinário coronel Moreira Cesar, pelos jagunços de Antônio Conselheiro.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-lei-de-murici/