Luiz Carlos Azedo: A hora da verdade

“Lula utiliza os prazos e os ritos da Justiça Eleitoral para consolidar a narrativa de que está sendo vítima de uma perseguição política cujo objetivo seria impedir sua volta ao poder pelo voto”.
Foto: Ricardo Stuckert
Foto: Ricardo Stuckert

“Lula utiliza os prazos e os ritos da Justiça Eleitoral para consolidar a narrativa de que está sendo vítima de uma perseguição política cujo objetivo seria impedir sua volta ao poder pelo voto”

Uma sessão extraordinária do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidirá hoje se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se apresentará ou não na tevê e no rádio como candidato a presidente da República do PT, até que seu caso seja definitivamente julgado pela Corte. A advogada do petista Maria Cláudia Bucchianeri alega que Lula tem esse direito, ao contrário do entendimento da Procuradoria-Geral da República, que pretende barrar a presença dele na propaganda eleitoral gratuita. Decisões recentes do TSE estão sendo utilizadas como argumento em favor do petista, cuja candidatura tem mais de uma dezena de pedidos de impugnação.

Lula é considerado inelegível com base na Lei da Ficha Limpa, porque foi condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro a 12 anos e um mês de prisão em regime fechado, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com sede em Porto Alegre, no caso do tríplex de Guarujá, que foi investigado pela Operação Lava-Jato. Segundo a defesa de Lula, o artigo 16-A da Lei 9.504/1997 garante que “o candidato cujo registro esteja sub judice poderá efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão e ter seu nome mantido na urna eletrônica enquanto estiver sob essa condição, ficando a validade dos votos a ele atribuídos condicionada ao deferimento de seu registro por instância superior.”

Mesmo sabendo que está inelegível e preso nas dependências da Polícia Federal em Curitiba, Lula manteve sua candidatura a presidente da República e foi registrado pelo PT, numa estratégia ousada e, até agora, bem-sucedida, pois graças a isso se manteve na mídia e lidera com folga todas as pesquisas de opinião. Se conseguir se apresentar no horário eleitoral, essa estratégia será coroada de êxito, pois permitirá a fusão de sua imagem como a do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, vice na chapa do PT e já escalado para substituí-lo como candidato, quando Lula for efetivamente impugnado pela Justiça Eleitoral. A chicana jurídica é uma jogada de marketing político, para garantir a transferência de votos, já que Haddad está mal colocado nas pesquisas eleitorais quando seu nome entra no lugar do de Lula.

Lula utiliza os prazos e os ritos da Justiça Eleitoral para consolidar a narrativa de que está sendo vítima de uma perseguição política cujo objetivo seria impedir sua volta ao poder pelo voto. Toda a propaganda eleitoral do PT se baseia nessa tese, porém Lula está sendo condenado por envolvimento no maior esquema de corrupção já registrado no país. A aposta petista é de que não há condição de o TSE julgar seu pedido de registro ainda hoje, o que lhe permitirá estrelar os programas do PT de rádio e televisão que começam amanhã. Pelo calendário eleitoral, seu caso precisa ser julgado até o dia 17 de setembro; seriam duas semanas de propaganda no ar, tempo mais do que suficiente para colar a imagem de Haddad na de Lula e fortalecer a narrativa de vitimização do ex-presidente da República.

Jacobinos
A estratégia de Lula serve de guarda-chuva para todos os candidatos do PT que estão enrolados na Operação Lava-Jato. Não por acaso, ontem, o jornalista e professor da ECA-USP Eugênio Bucci, que foi presidente da EBC, comparou o caso de Lula ao de Georges Jacques Danton (1759-1794), um dos líderes da Revolução Francesa, inspirado no filme Danton, o Processo da Revolução, de 1983, do polonês Andrzej Wajda, que reconstituiu o julgamento do revolucionário francês. “Por que é preciso me matar? Só eu posso responder. Devo morrer porque sou sincero. Devo morrer porque digo a verdade. Devo morrer porque assusto. Eis as razões que levam ao assassinato de um homem honesto”, discursa Danton na cena mais dramática do filme, para concluir: “Eu não desaparecerei. Não! Eu falo! E falarei até o fim! Pois sou imortal! Sou imortal, porque sou o povo! O povo está comigo!”.

As narrativas de Lula e Danton são semelhantes, mas o contexto é muito diferente: Lula não está às vésperas de perder a cabeça numa guilhotina. Em 1791, no decorrer do processo revolucionário iniciado em 1789, Danton apoiou os jacobinos, foi procurador da Comuna de Paris e ministro da Justiça no período do Terror. Fez parte do Comitê de Salvação Pública, órgão executivo da República, responsável pela política estrangeira e por assuntos militares, até romper com o líder jacobino Maximilien de Robespierre. Foi julgado e condenado pelo Tribunal Revolucionário, devido a uma acusação de traição preparada por Saint-Just. O período do Terror (de setembro de 1793 a julho de 1794) terminou com a queda e a prisão de Robespierre, que implantou o terrorismo de Estado, período no qual foram realizadas 16.594 execuções oficiais. Estima-se que mais de 65 mil pessoas foram assassinadas pelos jacobinos. Robespierre e Saint-Just acabaram depostos pelo golpe do Termidor e também foram guilhotinados.

Nas entrelinhas: A hora da verdade

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