Cenário de crise é inevitável e a legitimidade do futuro governo corre risco
O sistema eleitoral, contaminado pelo ranço autoritário e pelo cinismo, aproxima-se do esgotamento.
Até 16 de agosto é o país do faz de conta. Propaganda antecipada não pode. O candidato que desrespeitar é punido se tiver conhecimento prévio: como os candidatos não sabem de nada, nem se são candidatos, nada acontece.
Propaganda só em língua nacional. Ato grave de insubordinação, punido com até seis meses de prisão, é criminoso o slogan em idioma estrangeiro. Para intérpretes rigorosos, língua nacional é o português (idioma oficial da República), o que inviabilizaria publicidade eleitoral em caiapó ou em bororo.
Pré-candidatos não pedem voto. Fazem “menção à pretensa candidatura”, exaltam suas “qualidades pessoais”, prometem a salvação do país, mas o “vote em mim” é proibidíssimo. Admite-se até o “impulsionamento” patrocinado de mensagens em redes sociais, mas não podem pedir voto explicitamente. Só implicitamente. Dizem que o sistema é liberal porque autoriza a divulgação do posicionamento de pré-candidatos sobre questões políticas: era o que faltava proibir.
A liberdade de expressão é “passível de limitação” por formidáveis juízes em todo o Brasil. O TSE promete a “menor interferência possível no debate democrático” e sugere “remoção de conteúdo”.
Pesquisa eleitoral é tratada com desconfiança por candidatos, legisladores e magistrados, como se fosse ato de propaganda, para iludir o eleitor, e não fonte de informação.
Mentir pode, mas fake news tem status de perigoso inimigo.
É proibido ridicularizar partidos e candidatos mesmo quando partidos e candidatos são ridículos. A propaganda não deve atentar contra os “bons costumes”. Desenho animado é abuso de poder. Artistas estão impedidos de “animar comícios”. É proibido confeccionar ou distribuir camiseta, chaveiro e boné. No dia da eleição só se admite “manifestação individual e silenciosa”.
É como se o ano eleitoral fosse um intervalo de obscurantismo. O desejo de tutelar a cabeça do eleitor —protegendo-o de influências perniciosas— é antigo, mas o jogo da influência é da natureza democrática.
Um princípio curioso da lei brasileira vem do regime militar e tenta impedir meios publicitários destinados a “criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais ou passionais”.
Difícil imaginar qual seria o estado não mental que o TSE pretende estabelecer no eleitorado, mas, em 2018, Lula é candidato a ser fio condutor de algum “estado mental”. Resta saber se é artificial.
Quer se eleger, mas não pode ser eleito. Quer se pronunciar e ser sabatinado, mas está preso e, segundo a Justiça, preso não fala. Emudecido e atrás das grades, lidera as intenções de voto. Seus seguidores não enxergam lisura na eleição sem Lula, vítima de conspiração judicial. Seus oponentes não enxergam lisura na eleição com Lula, condenado por corrupção em duas instâncias de julgamento.
Até o registro de seu nome pelo PT, depois da convenção, a candidatura de Lula não existe. Ou existe? A partir de 16 de agosto, solto ou preso, se o PT quiser, Lula estará habilitado a fazer propaganda oficial: o julgamento da impugnação do registro acontece até 17 de setembro (20 dias antes do primeiro turno).
Cassada a candidatura, uma liminar do Supremo (Brasil, terra das liminares) esticaria sua permanência na disputa eleitoral. E se Lula vencer? Vai ser cassado? Antes ou depois de assumir? A Lei da Ficha Limpa deixaria de existir para todos ou ela só não existirá para Lula?
O cenário de crise é inevitável e a legitimidade do futuro governo corre risco. Independentemente do resultado.
* Luís Francisco Carvalho Filho é advogado criminal, presidiu a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (2001-2004).