Márcia Aguiar é beneficiária do maior programa emergencial de transferência de renda que o Brasil experimentou em décadas. Os números são superlativos: 65 milhões de brasileiros atendidos e a injeção de R$ 254 bilhões neste ano para mitigar os efeitos devastadores da pandemia na já abissal desigualdade entre ricos e pobres no país.
Trata-se de um escárnio, no entanto. Márcia está foragida. É mulher de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro envolvido no escândalo das rachadinhas, e recebeu duas parcelas do auxílio de R$ 600.
Não foi a única a refestelar-se. Outros 565 mil brasileiros, pelos cálculos do TCU (Tribunal de Contas da União), receberam indevidamente parcelas do auxílio emergencial. Há na lista mortos, presos, residentes no exterior, servidores aposentados e, como a senhora Queiroz, pessoas com mandados de prisão expedidos pela Justiça.
O grupo inclui também trabalhadores atendidos atualmente com outros benefícios do governo, como a ajuda a empregados com contratos suspensos ou jornada e salários reduzidos. Há ainda um contingente nada desprezível de ao menos 50 mil militares contemplados irregularmente com o auxílio emergencial.
Os gastos indevidos somaram R$ 427,3 milhões, segundo o TCU. Muitos, de boa-fé, pediram espontaneamente a suspensão dos pagamentos. Mas, na Terra Brasilis, aos caras de pau foram necessárias medidas administrativas e judiciais para cancelar os desembolsos e determinar o ressarcimento das fraudes. Causa surpresa que, no caso dos militares, menos da metade da tropa tenha optado até agora pela corretude de devolver os recursos irregulares.
Estima-se oficialmente que 72% das famílias brasileiras que acessaram o auxílio tenham sido içadas da situação de extrema pobreza devido ao recebimento do benefício. Lares que foram poupados de sobreviver com uma renda mensal de até R$ 89 por pessoa.
Uma boa nova em meio a tanta desfaçatez.