Eis uma boa agenda para o Congresso Nacional, em prol da estabilidade fiscal
No início da atual legislatura, tramitou no Congresso Nacional a Medida Provisória (MP) 663, que autorizava a União a equalizar taxa de juros nas operações de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no âmbito do Programa de Sustentação do Investimento (PSI). Nessa oportunidade foi aprovada emenda que tornou obrigatória a publicação bimestral, pelo Ministério da Fazenda, do impacto fiscal das operações do Tesouro Nacional com o BNDES, juntamente com a metodologia de cálculo utilizada. Essa foi uma providência correta, com vista a maior transparência dos subsídios fiscais.
De fato, o relatório Boletim de Subsídios do Tesouro Nacional no âmbito do PSI e nos empréstimos ao BNDES – criado para atender a exigência da emenda – tem sido importante fonte de informação sobre o custo fiscal das operações realizadas pelo banco. Note-se que os subsídios creditícios dos empréstimos ao BNDES atingiram nada menos que R$ 15,7 bilhões em 2017.
No ano passado o Congresso aprovou a substituição da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) pela Taxa de Longo Prazo (TLP) nos novos financiamentos do banco, com um prazo de adaptação de cinco anos.
Depois de intensos debates no Senado e na Câmara dos Deputados, prevaleceu o texto elaborado pelo Poder Executivo, com poucos ajustes. Em resumo, o custo dos empréstimos com a TLP serão muito próximos do custo de captação do Tesouro Nacional em títulos de cinco anos, inclusive com o componente inflacionário.
Nas discussões havidas demonstramos que a medida teria impactos orçamentários adicionais decorrentes da elevação dos custos de captação do banco. É simples: a redução dos subsídios implícitos, almejada pelo Ministério da Fazenda, levaria a um aumento dos subsídios explícitos no Orçamento.
Como argumentamos na ocasião, a TLP provocaria uma enxurrada de iniciativas parlamentares para concessão de novos subsídios explícitos. O setor agrícola não deixaria de pleitear taxas diferenciadas com recursos do BNDES, especialmente quando soubesse que o Brasil, na comparação internacional, concede subsídios em montante muito abaixo do usual em termos do que se produz no País. De acordo com a base de dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), o Brasil gastou em 2016 cerca de 0,45% do produto interno bruto (PIB) com subsídios fiscais, ocupando a 23.ª posição numa lista de 27 países. Países como Chile, França, Itália, Grécia, Alemanha, Reino Unido e Austrália gastam mais do que o dobro, considerando subsídios explícitos.
No final do ano passado o próprio governo iniciou o processo, com a edição da MP 812, que introduziu regras específicas de determinação da TLP no cálculo dos encargos financeiros incidentes sobre os financiamentos de operações de crédito com recursos dos fundos constitucionais das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. A taxa final contemplaria as diferenças regionais por meio de um redutor chamado Coeficiente de Desenvolvimento Regional, incluindo também fatores de ponderação por tipo de operação e de bônus de adimplência.
Acontece que, na comissão mista que apreciou a matéria, o Congresso introduziu um novo dispositivo autorizando a União a conceder subsídios nos financiamentos do BNDES a projetos de infraestrutura destinados a favorecer empresas das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. O mesmo texto de 2015, exigindo transparência dos custos fiscais das operações realizadas com o banco, foi introduzido na MP 812, que agora tramita na Câmara.
É fundamental, portanto, desenvolvermos um sistema de controle e avaliação da política creditícia adotada no País. O Poder Executivo – nas três esferas de governo – deveria obrigatoriamente publicar avaliações técnicas periódicas do impacto fiscal das operações de financiamento realizadas por órgãos da administração direta e indireta, incluindo fundos. Os relatórios deveriam ser elaborados para possibilitar avaliações precisas dos custos e dos benefícios dos financiamentos concedidos pelo setor público, especialmente os voltados para os projetos de infraestrutura.
Uma boa fonte de inspiração é a reforma promovida nos Estados Unidos conhecida como Federal Credit Reform Act of 1990. Essa lei revolucionou os mecanismos de apuração e controle da política creditícia americana. Nos primeiros dispositivos a norma já apresenta seus principais objetivos: medir com mais precisão os custos dos programas de crédito federais; traçar o custo dos programas de crédito numa base orçamentária semelhante à de outros gastos federais e trazer conceitos relevantes de contabilidade para a política creditícia; incentivar a entrega de benefícios na forma mais adequada às necessidades dos beneficiários; e melhorar a alocação de recursos entre programas de crédito e outros programas de gastos.
Chama a atenção, também, a parte que estabelece uma coordenação entre o Office of Management and Budget, equivalente à Secretaria de Orçamento Federal, e o Congressional Budget Office, equivalente à Instituição Fiscal Independente. A lei prevê a necessária coordenação entre os dois órgãos para permitir avaliações criteriosas sobre o desempenho histórico dos programas de empréstimos do governo. A lei garante ao Congressional Budget Office, por exemplo, o acesso a todos os dados que permitam a melhoria das estimativas de custos.
Essas inovações promovidas na avaliação das políticas creditícias norte-americanas – e outras adotadas em países democráticos com governança mais avançada – devem inspirar novas ideias para um sistema moderno de avaliação da política creditícia no Brasil. Na era da TLP, nada se mostra mais relevante do que um bom arranjo institucional para permitir avaliações precisas dos custos e benefícios dos financiamentos concedidos pelo setor público brasileiro.
Está aí uma boa agenda para o Congresso brasileiro, em prol da estabilidade fiscal.
*José Serra é Senador (PSDB-SP)