A Petrobrás é forte, competente e lucrativa, não precisa de privilégios
O ataque de 14 de setembro ao maior complexo de exploração petrolífera do mundo, na Arábia Saudita, trouxe prejuízos transitórios e uma lição duradoura: o mundo está encharcado de petróleo.
Num primeiro momento, especulou-se que o inusitado ataque imporia prêmio de risco geopolítico permanente aos preços do óleo. Quase um mês depois, porém, o pico de alta nas cotações se desvaneceu numa pronunciada queda dos preços dessa matéria-prima. Na véspera do evento, a cotação do brent foi de US$ 60,22 o barril; no dia útil seguinte, fechou a US$ 69,02, uma alta de 15%. Entretanto, três semanas depois, em 2 de outubro, a cotação caiu a US$ 57,69 – 5% menor que à véspera do ataque.
A lição: o petróleo é uma riqueza cujos dias – ou décadas – estão contados. Enquanto a produção é impulsionada por novas tecnologias, como o fraturamento hidráulico e a exploração em águas ultraprofundas, a demanda não tem acompanhado o crescimento da economia mundial. O gasto energético tem sido mais eficiente e o petróleo vem sendo substituído por outras fontes de energia. De 2008 a 2018, o PIB mundial cresceu 28,3% e a demanda por óleo, apenas 16,1%.
Quanto mais demorarmos, menos bônus extrairemos da riqueza-petróleo. Quando o assunto é o pré-sal, tempo é dinheiro, literalmente.
O Brasil desperdiçou oportunidades trazidas pelos preços maiores do petróleo quando iniciou uma improdutiva e demorada mudança do marco legal do pré-sal. Ficamos cinco anos parados, sem novos leilões de petróleo. E o novo regime aprovado, o de partilha, representou só a volta mal disfarçada do monopólio da Petrobrás. A estatal passou a ser operadora compulsória de, no mínimo, 30% dos campos. E com a obrigação de arcar nessa proporção com os custos de exploração, encargo muito além da capacidade da empresa, então à beira da insolvência por causa de anos de má gestão. O primeiro leilão só foi realizado em 2013, para o campo de Libra.
Em 2016, lei de minha autoria modificou o regime de partilha, transformando a obrigatoriedade de participação da Petrobrás em direito de preferência. O ideal seria ter revogado essa obrigatoriedade, mas o direito de preferência foi o consenso político possível à época.
A mudança permitiu destravar os leilões do pré-sal. Em 2017 e 2018 foram feitas quatro rodadas de licitações, que arrecadaram R$ 16,1 bilhões em bônus de assinatura e garantiram R$ 2,5 bilhões em investimentos na fase de exploração.
A competição entre as petroleiras resultou em ofertas de excedente em óleo para a União que chegaram a 80%. O excedente em óleo é o lucro da produção. A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis estimou que os campos leiloados nas quatro rodadas do pré-sal renderão R$ 1,2 trilhão para União, Estados e municípios ao longo de 30 anos, ou R$ 40 bilhões por ano. Nada mau para um projeto de lei tachado de “entreguista” pelos suspeitos de sempre.
Entretanto, é possível avançarmos ainda mais para aumentar a participação do Estado na renda petrolífera. Em que pese o sucesso dos leilões do pré-sal, ficou claro que o direito de preferência dado à Petrobrás causa distorções que podem frear ou mesmo reduzir o ganho estatal proporcionado pela exploração.
O direito de preferência permite à Petrobrás, caso tenha seu lance superado no leilão, aderir ao consórcio vencedor, tornando-se a operadora do campo, com participação mínima de 30%. Isso pode parecer razoável, em se tratando de empresa estatal. Porém é preciso levar em conta que a Petrobrás participa dos leilões com uma lógica exclusivamente empresarial, isto é, objetivando a maximização de seu lucro. E não se deve esquecer que, apesar do controle ser estatal, a propriedade da empresa, hoje, é majoritariamente detida por acionistas privados.
Vejam do que se trata: na 4.ª Rodada de Partilha de Produção, na condição de operadora de um consórcio, a Petrobrás ofertou 18% de excedente em óleo para a União pelo bloco de Três Marias, proposta derrotada por outro consórcio, que ofereceu 49,95%. Como era previsível, a empresa exerceu seu direito de preferência e aderiu ao consórcio vencedor.
Se aderiu, é porque considerou vantajoso, mesmo repassando 49,95% de excedente em óleo para a União – o que não a inibiu de apresentar inicialmente uma proposta tão baixa quanto 18%. Ficou óbvio: o direito de preferência induz a Petrobrás a oferecer lances mais baixos dos que daria na ausência desse direito. A empresa não corre o risco de perder campos que lhe interessem.
Por isso estou propondo agora um passo à frente: um projeto de lei que prevê o fim do direito de preferência da Petrobrás. Os interesses da empresa nem sempre coincidem com os interesses da União. Para um mesmo nível de eficiência, qualquer aumento do lucro da Petrobrás reduz a parcela de óleo ofertada à Federação.
O excedente em óleo da União é receita pública destinada ao Fundo Social e, dessa, 50% vão para a educação pública. Quanto menores os lances da Petrobrás, menos recursos serão destinados à educação.
Não somos adversários da empresa. Ao contrário, desde sempre defendemos a ideia de que ela seja bem gerida e apresente bons resultados. Apenas discordamos de que parte de seu lucro possa advir não de maior eficiência, mas do direito de preferência, um privilégio legal.
A Petrobrás é forte, competente e lucrativa o suficiente para contemplar o interesse dos seus acionistas, majoritariamente privados. Não precisa de privilégios especiais. Num Brasil moderno e socialmente justo, privilégios só para a educação.
Neste momento de grave crise fiscal, em que os recursos para a educação chegam a ser contingenciados – a ponto de comprometerem o futuro do Brasil –, temos de tomar posição de forma inequívoca: toda a preferência deve ser da educação.
*Senador (PSDB-SP)