Não podemos deixar o futuro das próximas gerações perdido no fundo do mar
A aprovação do novo marco legal do saneamento básico abriu caminho para uma agenda de recuperação econômica pós-pandemia, por meio de novos investimentos e de aumento da produtividade. Dentre as pautas prioritárias, destacam-se, além do novo marco legal das ferrovias, a reforma do setor elétrico e a do mercado de petróleo e gás natural.
Neste último caso, é crucial atualizar o marco regulatório do pré-sal, permitindo que os leilões a serem realizados em 2021 recuperem a competitividade em relação a outros países. Mudanças no marco legal do petróleo começaram em 1997, com a Lei do Petróleo, que criou o regime de concessão. A descoberta do pré-sal levou o governo Lula a criar, em 2010, o novo regime de partilha, que concedeu à Petrobrás o monopólio da operação e a participação de, no mínimo, 30% nos leilões de campos do pré-sal.
Em 2013 foi realizado o primeiro leilão do pré-sal, com a oferta do campo de Libra, com potencial estimado entre 8 bilhões e 12 bilhões de barris. O resultado ficou muito aquém das expectativas, sem a participação maciça de empresas estrangeiras. Sem concorrência, apenas um consórcio apresentou oferta e o governo recebeu o mínimo estipulado nas regras: um bônus de assinatura (BA) de R$ 15 bilhões e 41,65% do petróleo produzido, descontados os custos de produção. Ficou evidente que as regras criadas pelo novo regime anularam a atratividade da área em oferta.
Com a Lei 13.365/2016, que tem como objetivo principal atrair investidores e estimular a concorrência, a Petrobrás deixou de ser o operador único e de participar obrigatoriamente com 30% em todos os consórcios do pré-sal. A partir de então os leilões tiveram sucesso inegável. No final de 2017 e primeiro semestre de 2018, as três rodadas realizadas tiveram 75% dos blocos ofertados arrematados, proporcionando mais de R$ 9,3 bilhões de arrecadação em BA. Ainda em 2018, a quinta rodada tornou-se o primeiro certame sob o regime de partilha a ter, com mais de um bloco em oferta, 100% das áreas arrematas, com um BA total de R$ 6,82 bilhões.
Os resultados decepcionantes do Excedente da Cessão Onerosa e da 6.ª Rodada de Partilha evidenciaram a inevitabilidade de uma nova alteração na lei. O leilão da cessão onerosa realizado em 2019 não atraiu o interesse das grandes petroleiras: os R$ 69,96 bilhões arrecadados em BA restringiram-se à Petrobrás (90%) e às chinesas CNODC Brasil (5%) e CNOOC Petroleum (5%). Na sexta rodada, realizada no dia seguinte, apenas uma das cinco áreas ofertadas foi arrematada e, mais uma vez, pela Petrobrás e associados chineses. A Petrobrás havia exercido o direito de preferência sobre outras áreas, mas desistiu da operação. Esse resultado reforçou a tese de que os campos brasileiros com grandes reservas já tinham sido leiloados.
Com isso a alteração da lei se tornou mais pertinente e urgente. O surgimento da pandemia do novo coronavírus causou incertezas quanto ao futuro do mercado de petróleo. Sendo assim, a criação de um ambiente legal e regulatório que propicie, já em 2021, a volta bem-sucedida dos leilões passou a ser fundamental. A meu ver, alterações que flexibilizem o regime de exploração no pré-sal e em áreas estratégicas, associadas a medidas de aperfeiçoamento das regras vigentes, são fundamentais para o sucesso dos leilões do próximo ano.
Reconheço que a retirada do direito de preferência da Petrobrás é uma medida polêmica. A repulsa a esse tema provém de uma suposta defesa da Petrobrás. A crença imaginária de que “o petróleo é nosso” ainda permeia as decisões de alguns senadores. Mas é preciso entender que essa prerrogativa concedida à Petrobrás distorce o processo competitivo, permitindo-lhe optar por diminuir os porcentuais de excedente em óleo destinados à União. Ora, quanto menor a parcela desse excedente, menores serão os recursos dirigidos a programas sociais, sobretudo à educação. O fracasso dos leilões da cessão onerosa evidenciou essas distorções, pois arrecadaram apenas R$ 69 bilhões dos R$ 106 previstos.
O fortalecimento do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), que deve deliberar sobre o melhor regime jurídico a ser adotado nos leilões do pré-sal, é crucial. Com a flexibilização do regime de licitação do pré-sal e das áreas estratégicas, o CNPE deve ficar livre para definir, antes de cada rodada, qual regime é mais vantajoso, do ponto de vista social e econômico, para licitar cada área/bloco ofertado: partilha de produção ou concessão. A maximização da arrecadação nos leilões, devida à maior competição entre as petroleiras, seria uma consequência adicional.
O setor de petróleo terá certamente papel fundamental na retomada da economia pós-covid-19, já a partir de 2021. Para tanto é indispensável que os leilões do pré-sal sejam realizados sob um novo regime legal o mais depressa possível. Caso contrário, corremos o risco de deixar inexplorada grande parcela de nossas reservas de óleo e gás.
O futuro das próximas gerações passa por investimentos maciços em educação. Não podemos deixar esse futuro perdido no fundo do mar.
*Senador (PSDB-SP)