Felizmente, começa a ser levado em conta o enfoque qualitativo dos gastos e da tributação
As propostas de enfrentamento dos problemas fiscais brasileiros têm se centrado nos aspectos quantitativos da questão. Nessa perspectiva, a essência das medidas a serem tomadas enfatiza a redução das despesas, seja dos gastos diretos, seja dos chamados “gastos tributários”, que envolvem isenções e subsídios bancados direta ou indiretamente pelo Tesouro. Sem mencionar também o aumento ou a diminuição de receitas – por exemplo, a redução da PIS/Cofins no diesel ou a elevação do IOF, feitas recentemente.
Esse enfoque é natural e até correto, mas, em geral, são deixadas de lado questões referentes à qualidade dos gastos e da tributação. Felizmente, essa perspectiva começa a ser levada em conta. Não foi por menos que a nova Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que vai balizar a elaboração do Orçamento de 2019, recentemente aprovada pelo Congresso Nacional, traz um avanço importante nessa direção. O próximo presidente da República deverá enviar ao Congresso, até março do próximo ano, um plano de revisão de despesas e receitas para vigorar durante os quatro anos de seu mandato. Tal medida, nada trivial, abrirá caminho para a prática, adotada por diversas economias avançadas, conhecida como Spending Reviews, pela qual programas governamentais são continuamente revisados segundo avaliações de custo e benefício. O objetivo é economizar sem prejuízo da prestação de serviços pelo Estado.
Dada a importância de implantar no País a avaliação sistemática dos programas orçamentários, entendo que sua regulamentação deveria fazer parte de uma legislação mais estável – como leis complementares. Isso porque, pela Constituição, as leis de diretrizes orçamentárias são anuais e ordinárias e, assim, suscetíveis de alterações relativamente fáceis de fazer. Em leis ordinárias, o Poder Executivo consegue sem grande esforço mudar ou anular dispositivos restritivos ou que considere inconvenientes.
Independentemente das ponderações sobre onde hospedar a revisão periódica de gastos, acredito que o texto inserido na LDO, relatado pelo senador Dalirio Beber, está tecnicamente interessante. A revisão poderá alcançar benefícios de natureza financeira, tributária ou creditícia e, para ser efetiva, deverá trazer as correspondentes proposições legislativas acompanhadas das estimativas de impacto.
Especificamente no que tange às receitas, as proposições legislativas têm de dar lugar a medidas que reduzam renúncias fiscais e/ou aumentem a arrecadação, bem como estabelecer prazos para cada benefício tributário concedido, juntamente com um cronograma para reduzir o montante do volume fiscal renunciado a um limite de 2% do PIB. Cabe, aqui, lembrar que o gasto tributário – como também são chamados os benefícios fiscais tributários – representa hoje 4% do PIB, ou 8 vezes o que o governo federal gastou com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), no ano passado, isto é, 0,5% do PIB!
Avaliações de impacto dos programas orçamentários e das políticas creditícia e tributária podem respaldar revisões na legislação vigente – seja para aperfeiçoar determinado programa governamental, seja para encerrar o que não deve receber muita prioridade. Não dá mais para vivermos sob políticas públicas tortamente elaboradas, megalomaníacas ou não, baseadas em pura e temerária intuição.
Na experiência internacional, os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) adotam distintos modelos de revisão de despesas e receitas. Mas alguns princípios fundamentais são comuns. Existem as revisões que se concentram em ganhos de eficiência em áreas específicas do orçamento e também aquelas de cunho estratégico, voltadas para a readequação da oferta de determinado bem ou serviço. Neste caso se utilizam critérios para identificar gastos ineficazes ou de baixa prioridade.
As avaliações são elaboradas a partir de técnicas específicas para medir os custos e os resultados alcançados com uma política pública. O plano de revisão de despesas e receitas, por sua vez, serve para organizar e encadear medidas de economia orçamentária, seja com melhoria na eficiência das políticas objeto de ajuste ou no seu simples encerramento, nos casos mais extremos. São ações necessariamente complementares.
É preciso reconhecer que a União vem avançando neste processo de avaliação, ainda que lentamente. Em 2016, por exemplo, foi criado o Comitê de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas (CMAP) para fortalecer a governança e melhorar a efetividade dos principais programas governamentais. Importa sublinhar, também, estudos recentes do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) voltados para avaliar políticas públicas. Destaco aquele que mensura o impacto da desoneração da folha de pagamentos sobre o emprego, implementada a partir de 2012. Segundo esse estudo, não há evidências de melhorias no nível de emprego decorrentes dessa política. Temos, assim, um exemplo de política a merecer urgente revisão, ou eliminação.
O próximo presidente da República terá o enorme desafio de fazer acontecer um ajuste fiscal para valer nas contas públicas do governo federal, mas não pode paralisar o Estado, pois o País precisa investir mais, especialmente em infraestrutura. Nada seria mais irracional do que os usuais cortes lineares de despesas ou aumentos erráticos de impostos.
O plano de revisão de despesas e receitas previsto na LDO aprovada neste ano para orientar a lei orçamentária de 2019 poderá ser o instrumento para que se comece a promover, para valer, a conexão entre as avaliações e as revisões das políticas públicas em nosso país. Por que não, se tantas outras nações conseguiram promover essa conexão?
O que acham disso os atuais candidatos a presidente?
*Jose Serra é senador (PSDB-SP)