A percepção de que a situação fiscal se deteriorou muito é agora universal
Do ponto de vista econômico, a resposta brasileira ao coronavírus foi muito robusta, pois algo como 12% do PIB foi transferido para mais de 65 milhões de pessoas, um valor bastante concentrado a partir de junho. Isso provocou um grande salto na demanda das famílias, que ativou parte do comércio e da indústria. Como resultado, a queda do PIB deste ano será menor do que se projetava, ficando entre -4% e -5%.
Entretanto, boa parte do setor de serviços não viveu essa melhora. Falo aqui de viagens, de toda a cadeia de hospitalidade, da economia criativa e de tudo o que depende de aglomeração. Essa situação não mudará de forma substancial, uma vez que o número de novas mortes e de novos casos vem caindo de forma muito lenta, sem falar no risco de uma segunda onda, como a que ocorre atualmente na Europa.
Em consequência, o mercado de trabalho vem se recuperando com certa lentidão, até porque muitas empresas quebraram ou encolheram, reduzindo a oferta de empregos permanentes. Mais ainda: já dá para perceber que o grande salto do processo de digitalização e da automação que resulta da pandemia também está reduzindo o número de empregos permanentes, processo que se verifica no mundo inteiro. Isso mostra a dificuldade de uma recuperação em “V”. Para citar um único exemplo: pense em quantas agências bancárias se tornaram desnecessárias como resultado do inacreditável avanço do “home banking” e da digitalização dos meios de pagamento – isso sem falar no sucesso que fará o Pix. O mesmo raciocínio se aplica para inúmeros outros serviços, como venda de carros, assistência técnica, ensino etc.
Por outro lado, a demanda de consumo deverá se reduzir no início do próximo ano. O fim do programa do coronavoucher deprimirá a renda disponível de muitas famílias, mesmo que a desejada expansão do Bolsa Família consiga ser operacionalizada, porque cairá drasticamente o número de beneficiários. Essa queda de renda, como já argumentado, não será compensada pela criação de novos empregos permanentes. Além disso, a forte elevação do custo da alimentação, que segue crescendo acima de 10%, reduz o poder de compra de muita gente. Apenas a entrada de uma nova safra, em 2021, reverterá essa tendência.
Em paralelo, não há atualmente qualquer indicação de elevação dos investimentos públicos ou privados. Ao contrário, continuamos a ver uma queda nos investimentos estrangeiros. Alguma surpresa? Basta pensar nos reveses sofridos pelo ambiente regulatório (como no caso da Linha Amarela, no Rio de Janeiro), nos atrasos em projetos que estão no Congresso (Lei do Gás) e nas privatizações que simplesmente não existem…
Tudo indica que o crescimento de 2021 ficará pouco acima de 2% e que a inflação será maior que a deste ano. Além da pressão no preço de alimentos, existem fortes altas em matérias-primas industriais básicas, químicas e metálicas, cujo repasse aguarda apenas alguma recuperação da demanda. Por baixo dessas pressões está a desvalorização do real que, dadas as incertezas atuais, tem pouca chance de ser revertida. A taxa de juros será elevada no próximo ano, ou mesmo antes.
A percepção de que a situação fiscal se deteriorou muito é agora universal. Isso mesmo sem os gastos adicionais que o Executivo e o chamado Centrão querem incluir na proposta orçamentária para o próximo ano. Como resultado, a rolagem da dívida pública agora se faz apenas com papéis mais curtos e as taxas mais longas já subiram no mercado quando comparadas a algumas semanas atrás.
Temos assim um impasse. De um lado, a situação fiscal exige uma resposta: apontar qual a trajetória que se objetiva uma vez passada a emergência do combate ao vírus. De outro, Brasília segue em festa como nos bons tempos, com óbvio apetite por elevar os gastos – e não falo apenas do Executivo, mas também de boa parte do Legislativo e do Judiciário (alguém aí pensou do novo Tribunal Regional Federal em Minas Gerais?).
No meio disso tudo, o Ministério da Economia, cada vez menor e sem rumo.
Daí a pergunta título: se o embate crescer, vamos bater no muro?
*Economista e sócio da MB Associados