José Roberto Mendonça de Barros: Implicações do PIB do segundo trimestre

Definitivamente, o País não estava “voando”.
Foto: Revista Exame
Foto: Revista Exame

Definitivamente, o País não estava “voando”

Os resultados da evolução do PIB foram muito variados, mas o pior de tudo é que o índice do produto voltou dez (isto mesmo: 10) anos atrás. É melancólico.

Outra surpresa que se observou foi que o período de janeiro a março foi revisado para baixo: ao invés de uma queda de 1,5%, o que se viu foi um encolhimento de 2,5%. Definitivamente, o País não estava “voando” no começo do ano, como tantas vezes mencionou o ministro da Economia.

Será muito difícil conseguirmos repetir uma queda de tal magnitude (-9,7%), decorrente de uma causa totalmente inesperada vinda da área da saúde, que provocou uma parada súbita no sistema econômico.

Os segmentos que mais sofreram foram aqueles dependentes de aglomerações, tais como restaurantes, viagens e serviços correlatos (a chamada cadeia da hospitalidade, que inclui os serviços criativos), que caiu mais de 40%, e, de outro lado, os segmentos industriais que foram obrigados a fechar as fábricas, como automotivo, máquinas e equipamentos.

O tombo da indústria de transformação reforça a crescente fragilidade do setor, o que torna mais longe ainda a possibilidade de que ele volte a liderar o crescimento. Chama a atenção a elevação da assimetria entre empresas, em que uma nata de companhias ajustadas e capitalizadas segue avançando e aproveitando a desvalorização cambial para reforçar sua competitividade, enquanto a maioria das empresas vê seus balanços piorarem e seus produtos envelhecerem, sem fôlego para competir com a importação, mesmo descontando-se a perda de valor da moeda brasileira.

Só os setores de recursos naturais tiveram desempenho favorável: o agronegócio e o petróleo. O agronegócio, em qualquer comparação, e o petróleo, quando comparado com o mesmo trimestre do ano anterior, uma vez que a Petrobrás suspendeu a produção em mais de 40 plataformas no início da pandemia. Além deles, apenas setores que sempre investiram bastante em tecnologia foram bem no período. Menciono aqui o setor financeiro e as empresas preparadas para venda pela internet.

Sem nenhuma surpresa, o investimento, que já vinha fraco, foi desastroso. Vai ser difícil retomar um crescimento sustentado, após a natural ocupação da capacidade de produção depois da liberação das unidades de produção.

As transferências recebidas por mais de 70 milhões de pessoas alavancaram, a partir de maio, o setor de cimento (reformas), móveis e utilidades domésticas. Isso nos levou a uma leve melhora em nossa projeção de crescimento para o ano: de -5,4 para -4,8%.

Olhando adiante, não dá para ver uma recuperação em V, uma vez que as transferências irão começar a cair nestes próximos meses e serão ainda mais reduzidas no ano que vem, quando o coronavoucher estará encerrado. Além disso, muitas empresas ainda irão sair do mercado e/ou diminuir ainda mais o contingente de seu pessoal. Com isso, a renda das famílias provavelmente será reduzida quando comparada com o auge de maio a agosto e o emprego líquido não crescerá muito. Assim, projetamos uma expansão de apenas 2,2% para o ano que vem.


A demanda internacional de alimentos está aquecida. O ponto forte decorre dos grandes volumes de transferências para as famílias, que ainda ocorre em praticamente todos os países do mundo. Com isso, a procura por alimentos se mantém forte.

Ademais, muitos países, perante a pandemia, tentaram elevar suas importações para constituir estoques de emergência. Do lado da oferta, tanto China como Estados Unidos têm tido problema nos últimos anos. Gripe suína, guerra comercial e problemas climáticos estão prejudicando a produção deste ano, pressionando a oferta e provocando uma apreciável elevação nas cotações de Chicago. Tudo isso se traduz em preços e renda bastante elevados no Brasil.

Isto sugere que os setores de recursos naturais continuarão a puxar nosso crescimento e, por conta disso, temos que levar adiante importantes avanços da bioeconomia, de sorte a contribuir para o fim das queimadas ilegais e para a criação de novos produtos, inclusive materiais, vindos do setor agropecuário.

Este caminho exige uma integração entre o setor agro, a indústria e os serviços de tecnologia. Uma consequência importantíssima é que temos que mudar a lógica da representação empresarial: de federações para coalizões em torno de projetos específicos.

Voltaremos a esses pontos num futuro próximo.

*Economista e sócio da MB Associados.

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