O governo federal desprezou a aquisição de vacinas contra covid 19 num momento crucial
O cenário de 2021 no mundo ocidental será determinado pela velocidade e amplitude dos programas de vacinação. Só depois disso o ambiente ficará melhor e as medidas de distanciamento poderão ser gradualmente reduzidas. Neste momento, os grandes estímulos monetários e fiscais terão seus efeitos plenos e o crescimento na área de serviços moverá o PIB e o mercado de trabalho.
Com a posse de um presidente americano que sempre levou a sério a ameaça do vírus e que fará os maiores esforços para o sucesso da vacinação em massa, é possível imaginar que, na entrada do verão do hemisfério norte, um número crítico mínimo de cidadãos estarão imunizados, permitindo que os países desenvolvidos voltem a crescer de forma mais significativa. Isso se somará ao que já acontece na Ásia, onde o enfrentamento do covid-19 foi bastante bem sucedido (exceto na Índia), com a China liderando a expansão.
O crescimento passará a ser sincronizado em boa parte do planeta. O Banco Mundial, na sua revisão de janeiro, estima uma expansão neste ano de 3,5% nos Estados Unidos, 3,6% na Zona do Euro, 2,5% no Japão, 7,9% na China e 5,4% na Índia.
É um cenário construtivo, que permitirá enfrentar grandes questões já existentes, mas que foram agravadas na pandemia, especialmente a recorrente elevação das desigualdades, em várias dimensões, e a imperiosa necessidade de avançar na transição energética e na agenda de sustentabilidade.
Ainda assim, existirão riscos associados ao aparecimento de novas cepas do vírus, inacessíveis às vacinas atualmente disponíveis.
Lamentavelmente, o cenário brasileiro é muito mais difícil, a começar do fato de termos um governo desde sempre negacionista, que nunca entendeu a dimensão da ameaça colocada pelo covid-19, que se engana com poções mágicas e remédios milagrosos e que passou 2020 militando contra as boas práticas sanitárias e sociais. O governo federal desprezou a aquisição de vacinas num momento crucial, quando ainda era possível fazer compras em larga escala.
Como consequência, a pandemia regrediu muito pouco, após o pico atingido em julho. Pior: vimos o distanciamento social regredir brutalmente no final do ano (e não apenas por culpa do governo), o que levou a uma segunda onda em desenvolvimento nos dias de hoje.
Este movimento vai trazer uma pressão adicional sobre as expectativas (como a da indústria, que caiu em janeiro) e a atividade do início do ano, que se somam a três outros fatores, que já em novembro apontavam para uma desaceleração forte na atividade econômica. O mais relevante, evidentemente, é o fim do bônus pago a milhões de pessoas que, associado ao atraso na discussão do orçamento de 2021, praticamente garante que não haverá transferências financeiras extraordinárias neste primeiro trimestre.
Adicionalmente, a subida da inflação no final do ano passado tirou o poder de compra da população e o mercado de trabalho continua muito fraco. Assim, o fim do bônus, a alta dos alimentos, o aumento da taxa de desemprego e a brusca elevação do número de novos infectados e mortos, já no final de dezembro, sinalizavam que no primeiro trimestre poderemos ter até uma queda do PIB em relação ao último de 2020.
Isso nos levou desde o ano passado a projetar um crescimento de apenas 2,6% no PIB.
O que nos causa mais espanto é que apenas nesses primeiros dias do ano muitos empresários e outros agentes perceberam que, sem o controle da pandemia, não haverá retomada sustentada de crescimento, exatamente o oposto do credo negacionista. Não é surpresa, pois, que a avaliação do governo tenha caído de forma dramática e que o cenário tenha piorado qualitativamente, levando o governo a uma frenética corrida atrás das vacinas. Elas deverão continuar chegando de forma intermitente, reduzindo a eficiência da vacinação em massa.
Sem dúvida, 2021 não será um ano fácil. A volta de um crescimento sustentável ainda vai demorar.
*Economista