A desarticulação do governo ficou patente recentemente; risco de a Nova Previdência fracassar não é desprezível
Os primeiros dois meses do governo Bolsonaro foram particularmente difíceis. Além das dificuldades naturais de um início de governo, o presidente ficou quase 20 dias internado no hospital e foi submetido a uma nova cirurgia, a quarta em menos de seis meses.
Antes mesmo de receber alta, Jair Bolsonaro se indispôs publicamente com um de seus mais próximos aliados, um aliado de primeira hora, que comandou a campanha eleitoral e era considerado um dos pilares do governo. Os ríspidos diálogos por meio das redes sociais mostraram um presidente claramente nervoso e com pouco controle emocional.
Sem dúvida, pelo menos em parte, este comportamento está ligado aos efeitos de quatro anestesias gerais em menos de seis meses, ao longo período de internação hospitalar, além do nervosismo próprio de um início de mandato. De qualquer forma, o episódio levanta preocupação quanto ao futuro.
A eleição para a presidência da Câmara dos Deputados consagrou a liderança de Rodrigo Maia (DEM-RJ), reeleito em primeiro turno com mais de 300 votos, ao mesmo tempo que uma batalha sangrenta se desenrolava na eleição para a presidência do Senado. Ali, no final, o candidato apoiado pelo governo, Davi Alcolumbre (DEM-AP), surpreendeu e venceu o experiente senador Renan Calheiros (MDB-AL), fortalecendo seu “padrinho”, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, credenciando-o para assumir a articulação política do governo.
A batalha deixou feridas, que terão de ser curadas. A nomeação do senador Fernando Coelho (MDB-PE) para a liderança do governo no Senado é parte deste processo. Mas o importante é que as presidências das duas Casas Legislativas foram ocupadas por apoiadores incondicionais das reformas.
Ao receber alta, o presidente levou pessoalmente ao Congresso a proposta da Nova Previdência, um gesto que mostra a importância por ele dada ao projeto e respeito pelo Legislativo. Entretanto, após este gesto, o governo tem sido pouco ativo na divulgação e na defesa da proposta, tanto na mídia tradicional quanto nas redes sociais, levantando dúvidas quanto ao real compromisso do presidente.
Ao mesmo tempo, o processo de formação da base parlamentar está lento e desorganizado. A definição das lideranças somente agora começa a ganhar corpo e as comissões demoram para serem formadas, paralisando o trabalho do Poder Legislativo.
A desarticulação ficou patente em duas votações recentes: a aprovação de um decreto legislativo cancelando o decreto assinado pelo vice-presidente Hamilton Mourão que aumentava o número de funcionários públicos com permissão para declarar sigilo de documentos oficiais, uma fragorosa derrota; e, ao contrário, uma importante vitória do governo na rejeição dos destaques ao projeto de lei que criou o cadastro positivo, que estava para ser votado desde maio de 2018 e cuja rejeição era uma demanda da equipe econômica.
A vitória mostra que o governo já tem parte importante dos votos para aprovar a Nova Previdência. A derrota mostra que, sem organização, o risco de fracasso não é desprezível.
A proposta da Nova Previdência é abrangente, elimina privilégios e terá de passar pelas comissões e pelo plenário. Irá enfrentar forte resistência e ataques das corporações que hoje se beneficiam desses privilégios, à custa do restante da população. O apoio dos presidentes da Câmara e do Senado (que já foi conseguido), uma base de apoio forte, organizada e combatente no Congresso (que precisa ser criada) e o envolvimento direto do presidente da República (que precisa ser confirmado) são condições indispensáveis para que seja possível enfrentar e vencer este desafio. E, sem a Nova Previdência, não há futuro.
* Professor do Departamento de Economia da PUC/Rio, é economista da Genial Investimentos