Para dar base à articulação do governo Bolsonaro no Congresso, é possível reeditar estratégia de Temer
O presidente Jair Bolsonaro tomou posse há um mês e já está diante de um importante desafio: aprovar a reforma da Previdência. E isso é apenas o começo. O sucesso do novo governo dependerá da sua capacidade de implementar um conjunto de reformas de difícil negociação e aprovação no Congresso Nacional.
Há ceticismo entre analistas de que o governo conseguirá atingir este objetivo sem a utilização ostensiva do chamado “toma lá dá cá” – a negociação de cargos, que foi rejeitada pelo presidente Bolsonaro na formação do Ministério. De acordo com esse raciocínio, sem cargos não há votos no Congresso!
Essa avaliação decorre da percepção de que o sucesso do governo Temer em aprovar as reformas somente foi possível em razão da utilização deste mecanismo. Contudo, restringir o sucesso da articulação política do governo Temer ao “toma lá dá cá” é uma avaliação, no mínimo, simplória.
A estratégia utilizada por Michel Temer teve ao menos três outros componentes que, possivelmente, foram tão ou mais importantes que o “toma lá dá cá”. São eles:
1) eleger presidentes das duas Casas do Congresso, principalmente da Câmara dos Deputados, comprometidos com as reformas;
2) assumir pessoalmente as negociações;
3) enviar para o Congresso, simultaneamente às reformas constitucionais, projetos de lei relativamente mais fáceis de serem aprovados, para acumular capital político.
Ao conquistar a direção das duas Casas Legislativas, principalmente a Câmara dos Deputados, na qual as propostas começam a tramitar, foi possível nomear relatores confiáveis e eficientes, facilitando a aprovação no plenário.
A decisão de assumir pessoalmente as negociações, em conjunto com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, foi fundamental. Foram realizados dois jantares no Palácio da Alvorada e várias reuniões, comandadas por Rodrigo Maia, com a participação de grande número de deputados, especialistas e empresários, cujo objetivo foi convencer os parlamentares da importância das reformas para o País.
Terceiro, enviar para o Congresso propostas de reforma que exigiam maioria constitucional e, simultaneamente, enviar projetos de lei, que exigiam quórum não qualificado, tais como a Lei das Estatais, a reforma do ensino médio, a reforma trabalhista, entre muitos outros.
A cada projeto aprovado, o governo acumulava capital político. O segredo foi ganhar as votações infraconstitucionais ao longo do processo de discussão das reformas constitucionais. Com isso, o governo Temer conseguiu aprovar mais reformas fundamentais para a economia brasileira que qualquer outro desde a redemocratização.
Propostas como a autonomia do Banco Central, a nova lei das agências reguladoras, a simplificação do PIS/Cofins e a reforma da assistência social (previdência) dos militares são candidatas óbvias a cumprir este papel neste governo. Em especial, caso a reforma da assistência social dos militares seja aprovada ao longo da tramitação da reforma da Previdência, é politicamente quase impossível a não aprovação desta última.
Em suma, é possível reeditar esta estratégia para dar base à articulação política do governo Bolsonaro. A proximidade ideológica entre o presidente da República e boa parte do Congresso contribui para que as negociações aconteçam com facilidade e naturalidade.
O presidente Michel Temer mostrou que impopularidade não é fator decisivo para a não aprovação de reformas. Mas serão popularidade e legitimidade, combinadas a uma estratégia eficiente de negociação com o Congresso, sem o “toma lá dá cá”, suficientes? Minha resposta a esta pergunta é sim. Mas só o futuro poderá confirmar ou rejeitar essa hipótese.
*Professor do Departamento de Economia da PUC/Rio e economista da Genial Investimentos