José Luis Oreiro / Revista Política Democrática online
A inflação medida pelo IPCA e acumulada em 12 meses tem apresentado trajetória de elevação contínua desde o início do ano passado, chegando a 10,54% em fevereiro de 2022. Em face da aceleração da inflação, o Banco Central do Brasil adotou postura bastante agressiva de elevação da taxa nominal de juros, de 2% a.a em março de 2021 para 10.75% a.a. em fevereiro de 2022. No momento em que escrevo este artigo, a expectativa de mercado é que, na reunião de março do Copom (Conselho de Política Monetária), a taxa Selic seja elevada mais uma vez para 11,75% a.a. A autoridade monetária pretende, assim, sinalizar a continuidade do ciclo de elevação da taxa de juros por pelos menos mais duas reuniões do Copom. Se antes da guerra na Ucrânia, o mercado esperava que o fim do ciclo de aperto monetário levaria a taxa Selic a um patamar de 12,25% a.a, o novo consenso já aponta para uma taxa Selic próxima a 14% a.a no final do primeiro semestre.
Um primeiro aspecto que chama a atenção nesse processo é que a elevação da inflação é um fenômeno generalizado no mundo, com a inflação acumulada em 12 meses nos Estados Unidos se aproximando do patamar de 8%, o mais elevado em 40 anos. Um fenômeno similar, porém, em menor intensidade, também ocorreu nos países da área do Euro. Contudo, ao contrário do Banco Central do Brasil, o Federal Reserve e o Banco Central Europeu mantiveram inalteradas suas taxas de juros de curto-prazo, limitando-se a reduzir os programas de compra de ativos postos em marcha durante a crise deflagrada pela pandemia do covid-19.
Nesse contexto, devemos nos perguntar quais as razões para comportamentos tão distintos diante de um mesmo fenômeno, ou seja, por que, diante da aceleração da inflação, o Banco Central do Brasil optou por uma forte elevação da taxa de juros, e os Bancos Centrais dos Estados Unidos e dos países da área do Euro decidiram manter os juros inalterados?
A narrativa consensual entre os (sic) analistas de mercado é que devido as (sic) fragilidades fiscais da economia brasileira – leia-se o risco de rompimento do teto de gastos – a taxa de juros estrutural da economia brasileira teria se elevado, o que demandaria um ajuste por parte da autoridade monetária. Essas fragilidades fiscais teriam produzido um aumento da inclinação da curva de juros no início de 2021, com o aumento dos juros de longo-prazo relativamente ao juro de curto-prazo, sinalizando que o mercado antecipava uma elevação da taxa de juros por parte do BC.
Narrativa
Essa narrativa, contudo, não para em pé. Apesar do aumento expressivo da relação dívida pública/PIB em 2020 devido aos efeitos combinados da queda do nível de atividade econômica e dos gastos com o auxílio emergencial, no ano de 2021 a dívida pública como proporção do PIB apresentou queda significativa, ficando muito longe dos fatídicos 100% do PIB que os “profetas do apocalipse” previram para o ano passado. Em segundo lugar, tanto os Estados Unidos como os países da área do Euro realizaram aumento significativo dos gastos governamentais no biênio 2020-2021 e, no caso da área do Euro, chegaram a suspender as regras fiscais vigentes para poder estimular a criação de emprego e renda. Pelo visto, os Bancos Centrais desses países não só não enxergaram nenhuma conexão direta entre a política fiscal e a aceleração da inflação, mas também ainda avaliaram que uma elevação da taxa de juros seria o tratamento inadequado para o problema.
O choque inflacionário global observado em 2021 foi decorrência de problemas do lado da oferta da economia, não devido a um excesso de demanda. A pandemia do covid-19 desarticulou as cadeias globais de suprimentos, produzindo “gargalos de oferta” em várias etapas das cadeias produtivas, pressionando assim os preços dos insumos industriais. O colapso do preço do petróleo no início da pandemia, junto com a crescente preocupação mundial com o uso de combustíveis fósseis, levou a redução dos investimentos na extração de petróleo, fazendo com que o preço dele disparasse no ano passado em decorrência da recuperação das economias dos Estados Unidos, Europa e China. Elevações da taxa de juros não têm nenhuma capacidade para solucionar esses problemas e, portanto, são inúteis como política anti-inflacionária.
Se é assim, o que explica o comportamento do BCB? Uma resposta seria a pura cegueira ideológica. Outra é perceber que alterações da taxa de juros não são neutras do ponto de vista da distribuição de renda. Supondo que 50% da dívida pública é selicada, cada 1 p.p de aumento da Selic leva a um aumento imediato de 0,4 p.p do PIB nos serviços da dívida pública, ou seja, R$ 32 bilhões transferidos para os bolsos dos rentistas.
Saiba mais sobre o autor
*José Luis Oreiro é professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB).
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de março/2022 (41ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
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