José Goldemberg: Uma Lava Jato para a educação?

É na gestão que está o problema, não na busca de culpados ou em discussões filosóficas...
Foto: Marcos Corrêa/PR
Foto: Marcos Corrêa/PR

É na gestão que está o problema, não na busca de culpados ou em discussões filosóficas…

Uma das mais surpreendentes propostas de membros do novo governo da República é a de começar a enfrentar os notórios problemas da educação no País por meio de uma investigação do tipo da Lava Jato. Essa investigação, graças à coragem e firmeza do então juiz Sergio Moro, teve sucesso em identificar a corrupção na administração pública e em estatais – principalmente na Petrobrás –, que teve sérias consequências no desempenho dessas empresas.

Contudo atribuir à corrupção todos os males da República e a profunda recessão econômica que o País atravessou é um exagero. O que provocou a crise foi a adoção de políticas equivocadas e demagógicas, que causaram danos às empresas públicas e ao País muito maiores do que as comissões cobradas por corruptos para enriquecimento pessoal ou para alimentar campanhas políticas.

Um exemplo na área de educação é o programa Ciência Sem Fronteiras, do governo Dilma, em que foram gastos mais de R$ 10 bilhões enviando ao exterior milhares de estudantes despreparados e pagando às universidades estrangeiras elevadas taxas de inscrição. Esse programa ignorou o profícuo trabalho que o CNPq e a Capes fazem há muitos anos no envio de estudantes de pós-graduação e pesquisadores ao exterior. Não houve corrupção no programa, ao que se saiba, mas ele provocou sérios prejuízos desvirtuando o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, que afetou todas as atividades de pesquisa no País.

É por essa razão que tentar melhorar a educação brasileira procurando “culpados” pelos problemas que enfrenta tem um caráter policialesco primário que pode produzir manchetes nos jornais, mas não vai resolvê-los.

Não há grandes obras que interessem aos empreiteiros no Ministério da Educação, que gasta mais de 90% dos seus recursos com salários, a maior parte nas universidades federais. O Ministério da Educação é, na prática, um “ministério das universidades”, tendo abandonado, na prática, o ensino fundamental e o médio, que são de responsabilidade dos municípios e dos Estados, mas que não conseguem fazê-lo de maneira adequada.

Atualmente, mais de 25% dos recursos da União, dos Estados e municípios são, por dispositivo constitucional, destinados à educação em todos os níveis (pré-escola, ensino fundamental, médio e superior). Esses recursos são vultosos, cerca de R$ 500 bilhões por ano, e aumentaram substancialmente desde o ano 2000. Representam cerca de 5% do produto bruto nacional, o que é igual ou até mais do que a fração que os outros países colocam em educação, mas, evidentemente, não resolveram os problemas: apenas cerca de metade dos jovens que ingressam no ensino fundamental aos 7 anos chega ao ensino médio aos 15 anos; destes apenas 60% chegam ao fim do ciclo aos 18 anos.

A baixa renda das famílias brasileiras obriga muitos jovens a abandonarem a escola para trabalhar. Este é um verdadeiro genocídio aplicado aos jovens do nosso país. Os problemas do ensino fundamental refletem-se no acesso às universidades públicas. A maioria tem de ir para universidades privadas, que cobram altas mensalidades. É isso que dá origem aos problemas com cotas e toda uma falsa discussão sobre equidade social no País.

A quase totalidade dos recursos é gasta com pessoal, mas o salário médio mensal dos professores do ensino fundamental e do médio é cerca da metade do que ganham profissionais em funções comparáveis em outras atividades. Não é de surpreender, portanto, que a carreira docente nesses níveis não seja atrativa do ponto de vista salarial. Isso tem consequências sérias, porque levou ao desprestígio da profissão de professor, que foi elevada no passado, quando o sistema educacional era muito menor.

O que fazer, então, em curto prazo para melhorar a educação fundamental com os orçamentos limitados dos Estados e municípios, já que dificilmente eles poderão aumentar a não ser retirando recursos de outras áreas também carentes, como saúde e segurança?

Só a racionalização no uso dos recursos e a melhoria das condições da economia poderiam fazê-lo.

Apenas para dar um exemplo, no Estado de São Paulo a evolução demográfica mostra que seria possível aumentar o número de alunos por sala de aula. O número de jovens que frequenta a escola fundamental no Estado caiu à metade, de 3,8 milhões para 1,9 milhões, do ano 2000 para 2017, mas o número de professores manteve-se praticamente o mesmo. Além disso, muitos se encontram em licença médica ou fora das salas de aula, nas áreas administrativas da secretaria, que é uma forma de melhorar sua situação salarial o que não beneficia o aprendizado dos alunos.

Aumento salarial geral para os professores, que é a reivindicação permanente dos sindicatos, só pode dar resultados positivos na melhoria do ensino se for associado ao desempenho dos professores. Experiências em outros países onde apenas os salários dos professores foram aumentados significativamente não melhoraram o aprendizado.

Medir esse desempenho é tarefa complexa, como experiências prévias em outros países indicam. Existe, porém, uma variedade de instrumentos para fazê-lo, como a observação da qualidade das aulas, entrevistas pessoais, relatórios do diretor da escola, pesquisas com os alunos e as famílias e até autoavaliação. Isso foi feito no Chile, no Equador, no México e no Peru com excelentes resultados. Nesses países o aumento salarial foi feito associando aumentos ao desempenho dos alunos e professores.

Não é a busca por corrupção ou uma mudança cosmética dos currículos que vai resolver os problemas educacionais no País. É na gestão do sistema que está o problema, e não na procura de culpados ou em discussões filosóficas sobre teorias educacionais.

*PROFESSOR EMÉRITO E EX-REITOR DA USP, FOI SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO E MINISTRO DA EDUCAÇÃO

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